Cannabis medicinal no SUS

Em Salvador, a cannabis medicinal vai poder ser utilizada no SUS, porém, com regras para prescrição.

 

Foi sancionada em Salvador a Lei 9663/2023 (já em vigor) que prevê a distribuição gratuita em unidades de saúde pública municipais de medicamentos à base de canabidiol (CBD) e/ou tetrahidrocanabinol (THC), substâncias extraídas da cannabis. A medida também terá validade nas instituições privadas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). Para a implementação da lei, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) vai formar comissão de trabalho para estabelecer estratégias e programas.

Porém, a lei 9663/2023 estabelece regras para o acesso aos medicamentos como, por exemplo, a prescrição detalhadamente preenchida e assinada por profissional médico legalmente habilitado, com dados do paciente e uma série de informações obrigatórias sobre a patologia e o tratamento.  A médica Clara Calabrich, voluntária na CANNAB (Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil) e prescritora de cannabis medicinal em atendimento particular, esclarece que, geralmente, há restrição da medicação em caso de gravidez e lactância, insuficiência hepática ou doenças cardiovasculares, assim como em idosos, que precisam de atenção especial.  “A administração da dosagem deve ser feita de maneira individual, levando em consideração a patologia do paciente, medicamentos em uso e o efeito desejado com os canabinoides”, esclarece a médica.

Esses medicamentos são utilizados no tratamento de epilepsia, dor crônica, espasticidade, doença de Parkinson, Alzheimer, esclerose múltipla, transtorno do espectro autista (TEA), distúrbios do sono, dentre outras. Na maioria das vezes, a prescrição ocorre quando o paciente já tem um diagnóstico estabelecido e está em tratamento com outros medicamentos. “É muito promissor essa iniciativa da prefeitura de Salvador, uma das primeiras no país a implementar a distribuição pelo SUS. A compra do medicamento, atualmente, tem um custo muito elevado, e se torna inviável para grande parte da população”, informa Dra. Clara Calarabich.

A colaboração e elaboração da proposta de lei teve participação da CANNAB, associação sem fins lucrativos fundada na Bahia em 2017 com o intuito de fomentar a pesquisa e o desenvolvimento dos tratamentos com canabinóides. “A lei é inovadora e de suma importância para a população, que agora terá a possibilidade de ter acesso gratuito ao tratamento, quando este for indicado por seu médico”, explica Jeffrey Edmond Sidi, fundador e secretário geral da CANNAB.

Atualmente, a associação acolhe e realiza o atendimento e acompanhamento médico de pacientes de todo o estado da Bahia, e também de outras localidades, e vem trabalhando na ampliação da sua rede de médicos voluntários. “Eu acredito que regular e ativar o sistema endocanabinóide dos pacientes passará a ser parte do protocolo médico em um futuro próximo, e vamos nos preparar para atender um número cada vez maior de pacientes que necessitem do tratamento”, esclarece Jeffrey.

 

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É preciso cautela

Embora o acesso pelo SUS seja sempre benéfico ao paciente, é preciso cautela, conforme pondera o médico Thiago Fukuda, neurologista do Hospital das Clínicas e coordenador do Centro de Esclerose Múltipla do Hospital Santa Izabel. “É sempre importante beneficiar o acesso do tratamento ao paciente através do SUS, porém, no caso da cannabis medicinal precisamos, ainda, de uma melhor evidencia cientifica para determinadas patologias e repostas sobre a dose, tempo de tratamento e possíveis efeitos colaterais. As maiores evidências estão na epilepsia grave na infância. A resposta em doenças degenerativas, como Parkinson ou Alzheimer, por exemplo, ainda passa por experiências individuais, ou séries de casos que não podem levar a uma recomendação cientifica para prescrição”, analisa o médico. Ele considera que a segurança e os benefícios para os pacientes serão maiores após as evidências e a regulamentação de bula pela Anvisa.

A cientista e psicóloga Rebeca Rebouças, integrante do grupo MONSTER Initiative em parceria científica com a CANNAB, explica que a distribuição para o SUS é importante como manejo terapêutico, principalmente para os pacientes com patologias refratárias ao tratamento convencional, “uma vez que já existem evidências em revisões sistemáticas e metanálises que demonstraram efeitos positivos em patologias como fibromialgia, epilepsias e efeitos adversos de quimioterapias”, reforça ela.         

Quanto ao avanço nas pesquisas, ela esclarece que continuam os estudos observacionais com a coorte de pacientes que já estão em tratamento, com intuito de identificar o impacto na qualidade de vida do paciente. E, posteriormente se dará continuidade aos estudos, com mais subsídios científicos. “Queremos nos aprofundar na compreensão sobre as repercussões do uso da cannabis medicinal, tanto nos processos inflamatórios como na avaliação de outros biomarcadores, além do rastreio de respostas e predição dos desfechos de tratamento”, esclarece ela.

Na CANNAB, as prioridades são realizar dois ensaios clínicos, ainda esse ano, para avançar nas pesquisas e desenvolvimento de tratamento mais eficazes, e lançar um curso de capacitação para preparar médicos para manejo e prescrição. Além disso, a instituição pretende iniciar o próprio plantio de cannabis para pesquisa e produção, a fim de garantir um fornecimento de alta qualidade, e em conformidade com as normas regulatórias.

 

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