Glaucoma: pesquisa pioneira no Brasil identificou novos genes e mutações

Estudo desenvolvido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi inserido em um projeto multicêntrico e internacional

 

O glaucoma é considerado o principal causador de cegueiras irreversíveis, quando não tratado devidamente, e a estimativa é que afete até 3% dos brasileiros com mais de 40 anos. Para tentar entender melhor esta doença silenciosa, cujo histórico familiar é um importante fator de risco, cientistas em várias partes do mundo realizam pesquisas de rastreamento de genes relacionados à moléstia. Um destes estudos, desenvolvido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foi inserido em um projeto multicêntrico e internacional, e a Bahia tem uma importante participação no contexto. 

Nas últimas décadas, com o desenvolvimento da biologia molecular, vem sendo possível a identificação de genes associados ao chamado glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA), que é a forma mais comum da doença. O primeiro deles, o TIGR/MYOC, foi descrito em 1997. O rastreamento genômico vem apontando a existência de outras regiões do genoma humano associadas ao glaucoma, possibilitando compreender melhor como esta doença se desenvolve. A pesquisa pioneira da Unicamp, coordenada pela geneticista Mônica Barbosa de Melo e pelo oftalmologista José Paulo Cabral de Vasconcellos, busca encontrar novos genes e suas mutações, bem como estudar com profundidade os genes já associados. 

A linha de pesquisa no Brasil já identificou novos genes e mutações/variantes, algumas delas descritas somente na população brasileira, e busca aprofundar como estas colaboram para o aparecimento da doença ou torná-la mais ou menos grave. “Todo este conhecimento está sendo construído. Cada variante tem uma ação na doença. Os estudos buscam não apenas conhecer os riscos, a partir dos genes, mas entender o mecanismo da doença e melhorar as formas de tratamento”, afirmou o Dr. José Paulo Cabral de Vasconcellos, que é um dos principais pesquisadores do distúrbio no país. 

Ao ser inserido em um projeto multicêntrico e internacional, a pesquisa brasileira, além de ratificar sua importância, une esforços a estudos desenvolvidos em várias partes do mundo, incluindo Estados Unidos e Singapura. Este último país tornou-se referência em pesquisas na área e conta com um moderno laboratório onde são feitas análises, inclusive de materiais coletados no Brasil. 

José Paulo Vasconcellos informou que a linha de pesquisa, até então desenvolvida apenas no estado de São Paulo, está sendo expandida, e vem sendo ampliada, com apoio governamental, para diversas regiões do país. “Estamos montando um grupo para avaliar regionalmente as particularidades genéticas da população. A gente espera, no futuro, que projetos como este contribuam para ampliar o acesso ao diagnóstico, com o uso de tecnologia”, afirmou o professor e pesquisador, que destacou a grande importância da Bahia no estudo.  

 

Participação baiana 

O médico baiano Roberto Lauande, especialista em glaucoma, é um dos integrantes do grupo de pesquisa da Unicamp e lidera os estudos no estado. Em Salvador, ele realiza a coleta de material genético, que será decodificado para verificar as variantes genéticas.  

A Bahia tem grande importância no projeto, segundo ele, sobretudo em função da sua população afrodescendente, que apresenta alta incidência da doença, inclusive da forma grave, neste público. Segundo Lauande, enquanto em estados do Sul a prevalência do glaucoma atinge até 1,5% da população acima de 40 anos, a estimativa é que, na Bahia, este percentual possa chegar a 8,5%, com destaque para toda a região do Recôncavo baiano. “Isto mostra que, sem o nosso estado, não teríamos uma pesquisa nacional completa”, destacou. 

Os trabalhos em Salvador estão proporcionando uma quantidade robusta de material. Por já possuir um banco de dados, colhidos por alguns anos, Dr. Roberto Lauande já atingiu a meta de fornecer o DNA de 100 pacientes com glaucoma e outros 100 que não apresentam a doença. “Aceleramos bastante o trabalho e a nossa intenção é enviar mais mostras para a pesquisa”, afirmou. 

Para o médico, graduado na UFBA; com especialização pela Unicamp e Moorfields Eye Hospital, de Londres; e doutorado pela USP; a Universidade de Campinas foi pioneira destes estudos na população brasileira. “O nosso DNA é diferente, por exemplo, do inglês”, citou. Para ele, a pesquisa abre um horizonte, que possibilitará o uso de testes genéticos para saber se o cidadão tem chance de ter glaucoma, saber os riscos e desenvolver tratamentos mais customizados, de acordo com a mutação genética apresentada por cada paciente. 

Hoje, o glaucoma é uma doença que não tem cura, mas que pode ser controlada com o tratamento adequado e contínuo. Apenas quando não tratado pode levar a um risco maior de cegueira. No entanto, estima-se que mais de 50% das pessoas que têm glaucoma não sabem que possuem a doença. Dr. Roberto destaca que o tratamento vem avançando, e já inclui o uso de laser. Ele, inclusive, já utiliza a técnica. No Brasil, porém, o laser ainda não foi inserido no Sistema Único de Saúde (SUS) e até em grande parte da rede privada, prevalecendo o tratamento com colírio. 

 

O que é o glaucoma 

Trata-se de doença crônica que atinge diretamente o nervo óptico dos olhos. Assintomática, envolve a perda de células da retina que são responsáveis por enviar impulsos nervosos ao cérebro. Essa pressão intraocular quando acontece de forma elevada aumenta o risco de desenvolvimento do glaucoma. A perda de visão se dá em graus mais avançados, quando a doença começa a comprometer a visão periférica, um dos primeiros sinais de alerta. O principal fator de risco é haver histórico na família. Embora possa aparecer em qualquer idade, desde bebês, na maioria dos pacientes o glaucoma começa a se desenvolver a partir dos 40 anos, e tem seu pico de incidência entre os 60 e 70 anos. 

 

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