Viagem de fé e aventura: acompanhe os médicos pelos Caminhos de Santiago
Peregrino, do latim per agros, que significa ‘pelos campos’ ou ‘aquele que viaja para um lugar santo’. Foram eles que, no século IX iniciaram a jornada em direção à Santiago de Compostela para venerar as relíquias do apóstolo Santiago Maior, depositadas, segundo a lenda, onde hoje se ergue a catedral da capital da comunidade autónoma da Galícia, na Espanha. Vindos das mais distintas regiões, as rotas adotadas por eles passaram, então, a ser denominadas Caminhos de Santiago. Seja com viés religioso ou por curiosidade, somente em 2017 mais de 300 mil pessoas fizeram um dos trajetos, de acordo com dados da Oficina del Peregrino, instituição que emite os certificados da peregrinação.
Segundo Nellie Meunier, fundadora da Ultreya Tours, agência de turismo especializada nesse roteiro, o peregrino tem a opção dos caminhos francês, aragonês, da Prata, primitivo, do Norte e português. Partindo de Saint-Jean-Pied-de-Port, no sudoeste da França, e com cerca de 852 km de percurso até Santiago de Compostela, o caminho francês é o mais requisitado. “É escolhido por 70% dos peregrinos, talvez por ter aparecido em grandes obras da literatura e do cinema, como o livro ‘O Diário de um Mago’, do brasileiro Paulo Coelho, ou no filme ‘Saint-Jacques… La Mecque’, de Coline Serreau”, acredita.
Caminho Frânces é o mais procurado, com 70% dos peregrinos
O anestesista Marcos Oliveira escolheu o Caminho Francês justamente após pesquisar o Caminho na literatura, incluindo o livro de Paulo Coelho. “Passei um tempo na Espanha em 1999 e fiquei sabendo da peregrinação. Ao voltar para Salvador comecei a ler relatos de pessoas que fizeram os percursos e fiquei curioso”, lembra. Em 2001, passeando pela Europa com a esposa, ambos fizeram alguns dos trajetos de carro. Em 2002, ele viajou sozinho e fez o percurso francês a pé em 26 dias.
Diferente de Marcos, que teve a curiosidade como ‘motor’ para a peregrinação, o geriatra Gustavo Spinola foi baseado na fé. Por falta de tempo, o médico optou por fazer apenas uma parte da mesma rota, caminhando 350 km em 14 dias.
Persistência
Não importa a motivação, mas o fato é que o peregrino deve estar preparado para enfrentar muitos obstáculos, como terrenos íngremes, frio e fortes chuvas, que podem provocar momentos de desânimo. Segundo o anestesista, na primeira semana ele ele pensou em desistir várias vezes. “Fiquei com medo de não ter forças físicas e passar frio. Liguei para minha mulher falando que queria desistir e ela me incentivou a continuar. Foi daí que tirei minha força”, confessa.
Nellie explica que as condições climáticas são, de fato, as principais barreiras para quem resolve fazer a peregrinação. Ela recomenda que a viagem seja feita entre os meses de março e outubro, evitando o inverno da Galícia. A agente de turismo ainda adianta que o mês de agosto é o mais movimentado, chegando a ter quase 60 mil viajantes apenas por sua agência de turismo.
No caminho, não faltam opções de hospedagem: desde albergues, públicos e privados, até luxuosos hotéis, localizados em edifícios históricos como castelos e mosteiros. Isso não impede que o peregrino leve seu saco de dormir. “Mesmo tendo uma condição financeira mais estável, não fiquei um único dia em hotel. Um dia tive que dormir dentro de um bar, graças à hospitalidade do dono do estabelecimento”, recorda Dr. Marcos..
Tradições
Uma coisa é certa: seja qual for a rota ou motivação, é preciso cumprir a tradição na Catedral de Santiago de Compostela. Segundo o cirurgião geral Luiz Carlos Silva, que fez metade do Caminho Português, percorrendo 130 km em seis dias, visitar a igreja é um ato simbólico, que caracteriza o fim da jornada. “Mesmo chegando cansados na cidade, conseguimos encontrar disposição para enfrentar mais 6 km até a igreja. Independente da religião, é preciso assistir a Missa dos Peregrinos”, comenta.
Cirurgião geral Luiz Carlos Silva fez metade do Caminho Português
Além do ato litúrgico, os peregrinos devem tocar no pilar central do templo, conhecido como Pórtico da Glória, para lembrar das razões que os fizeram percorrer o Caminho. Em seguida, fazem fila para abraçar a estátua de Santiago Maior, localizada atrás do altar. Segundo Dr. Marcos, moradores das vilas e cidades que ficam no percurso pedem aos viajantes que mandem um abraço para o apóstolo. “Quando abraçamos a estátua, não é apenas por nós, mas em nome de todos que encontramos nessa jornada”, explica o anestesista.
Outra tradição é bater a cabeça na estátua do Mestre Mateo, escultor do Pórtico da Glória. Segundo a lenda, aqueles que batem o rosto três vezes na cabeça esculpida do arquiteto recebem um pouco de sua sabedoria.
Após o fim do percurso e das tradições, resta ao peregrino aproveitar as belezas e hospitalidade da cidade de Santiago de Compostela.