Artigo Médico: a necessidade de tratamento da obesidade sob regime de internação

É preciso aplicar estratégias integradas e complementares para promover mudanças profundas nos hábitos de vida através de um processo multidisciplinar

 

Considerando a obesidade como doença multifatorial, resultante de uma combinação de fatores biológicos, psicológicos, socioculturais e econômicos, deve-se considerar como melhor opção de tratamento uma abordagem igualmente multifatorial. É necessário aplicar estratégias integradas e complementares em lugar de práticas terapêuticas isoladas e desconexas.

Tal proposição encontra eco nas posições dos próprios órgãos reguladores da área de saúde: pressupõem-se mudanças profundas nos hábitos de vida do paciente através de um processo multidisciplinar gradual, o qual se desenrola de maneira adequada à individualidade de cada caso.

Essa abordagem multidisciplinar aplica-se melhor em um ambiente de isolamento: ao remover o paciente das condições ambientais nas quais adoeceu, facilita-se sua adesão ao tratamento e sua inserção num processo de reestruturação psicológica e física. O tratamento intensivo por internação, assim, mostra-se como a melhor alternativa para provocar mudanças profundas e perenes na saúde do paciente.

A compulsão alimentar, por exemplo, que é um trágico comportamento adicto e comum aos pacientes obesos, necessita, primordialmente, de um tratamento em regime de internação, associando a assistência de psiquiatras e psicólogos. O acompanhamento psicológico desempenha, assim, papel fundamental na investigação das causas da obesidade e manifestações associadas, como a compulsão, permitindo ao paciente, e à própria equipe de tratamento, ampliar sua percepção do caso, suas causas e consequências.

A necessidade do regime de internação se mostra especialmente evidente em alguns casos: (a), pacientes que tentaram emagrecer por outras formas de tratamento ambulatorial sem sucesso; (b), pacientes que realizaram cirurgia bariátrica, mas tiveram reganho de peso posterior; e (c), pacientes aos quais a própria cirurgia bariátrica é contraindicada.

Independentemente da situação, o tratamento multidisciplinar por internação coloca o paciente aos cuidados de uma equipe cujas áreas de atuação — educação física, psicologia, terapia ocupacional, nutrição, fisioterapia e diversas especialidades médicas — se complementam, interagindo entre si em um contexto coletivo. O resultado é uma abordagem holística, com mais condições de entender e tratar assertivamente causas e consequências de cada caso específico de obesidade.

O resultado da referida abordagem é a evolução gradual, porém assertiva, da redução de peso de maneira saudável, mas não somente: diversas doenças associadas à obesidade também são tratadas conjuntamente pela abordagem multidisciplinar e são combatidas, inclusive, pela própria superação do estado de obesidade, já que ela é uma doença com diversas consequências patológicas para corpo e a mente.

 


Interrupção do tratamento

O paciente em tratamento da obesidade por internação sofre grandes problemas com a interrupção precoce do processo terapêutico. Afinal, o prazo de tratamento é definido previamente após criteriosa avaliação da equipe médica, prevendo intervenções e abordagens específicas para cada momento, levando em conta a evolução do quadro.

Assim, uma eventual precoce interrupção do tratamento leva não apenas à incompletude dos resultados previstos para o final do período inicialmente estipulado, como também à perda da evolução obtida até então, considerando a quebra do curso de ação terapêutico que havia sido programado.

Considerando situações em que o paciente ingressa no tratamento através de plano de saúde, observam-se situações comuns de interrupção do tratamento com imensos prejuízos aos resultados terapêuticos conquistados. Quanto maior o tempo de afastamento do tratamento, maior a perda dos resultados obtidos, observando-se até mesmo o retorno do paciente a uma situação igual ou pior que aquela avaliada ao início do processo.

Assim, percebe-se que, nos casos em que é necessária solicitação de permanência do paciente no tratamento ou perícia médica judicial, é vital para o paciente que ele permaneça internado, no curso normal do tratamento, enquanto aguarda pelos resultados. Caso o paciente tenha de interromper o tratamento para aguardar os resultados, passa a ser necessário retomar o tratamento do início e durante todo o tempo anteriormente previsto a fim recuperar os benefícios terapêuticos perdidos com a pausa e garantir os resultados inicialmente projetados.

Por fim, observamos uma questão ética quando à interrupção do tratamento: o corpo médico a cargo do tratamento tem responsabilidade sobre a vida do paciente, e, ao ser forçado a interromper o processo, não consegue cumprir a sua obrigação legal e juramentada. Justamente por conta disso, a alta médica em tratamentos do tipo deveria ser como prevê a lei: prerrogativa específica do médico responsável. Assim, é inadmissível que questões administrativas e burocráticas alheias ao interesse terapêutico interrompam o tratamento.

 

Dra. Cira Bezerra A. Pereira

Psiquiatra

CRM 17413

RQE 7748

cirabezerra@uol.com.br

 

Fontes:

Scielo

Obesidade como doença multifatorial

Estudo de caso do tratamento da compulsão alimentar por internação numa instituição de Ribeirão Preto

Recomendação das autoridades por tratamento multifatorial

 

Consultório Jurídico (Conjur)

O direito de tratamento intensivo por parte de pessoas com obesidade custeado pelo plano de saúde