Após a explosão da Ômicron, o que esperar da pandemia?
Vacinação, imunidade coletiva, risco de novas variantes: especialistas analisam os possíveis cenários
O mundo esperava entrar em 2022 com um cenário mais tranquilo e controlado da Covid-19, mas a variante Ômicron, descoberta na África do Sul em novembro de 2021, se espalhou rapidamente, se tornando a mais predominante do planeta. Mas uma característica do surto da Ômicron, observada nos países mais afetados, é que, além da baixa letalidade, o número de casos atinge o pico rapidamente, se estabiliza, e cai também rapidamente, o que, de certa forma, mostra um cenário mais favorável para o controle da pandemia se encaminhando.
As comunidades médicas e científicas em todo o mundo, mesmo considerando hábitos, costumes e condições climáticas diferentes, têm observado uma progressiva queda da mortalidade, sinalizando, para breve, um período de mais tranquilidade epidêmica da Covid-19. “Acredito que é muito provável uma melhora progressiva da pandemia devido ao forte desenvolvimento da imunidade coletiva. A Ômicron tem grande poder de disseminação, mas, até o momento, felizmente, com baixo grau de letalidade, embora saibamos que tratamos doentes e não doenças. E cada indivíduo tem peculiaridades muitos pessoais. Mas em breve teremos vacinas atualizadas anualmente, como ocorre com a gripe, contemplando todas as variantes do ano anterior. Respeitando, sempre, efetividade e segurança”, analisa o pneumologista Guilhardo Fontes, diretor da Associação Bahiana de Medicina (ABM).
Essa explosão e queda no contágio da Ômicron, geralmente entre 33 e 56 dias, pode se repetir também no Brasil conforme explica a infectologista Ceuci Nunes, diretora técnica do Instituto Couto Maia e diretora técnica do SEIMI (Serviço Especializado em Imunização e Infectologia). “É possível que estejamos iniciando um período de queda do número de casos. Vale ressaltar que o número de óbitos demora mais a cair, pois ocorrem cerca de três semanas após a internação”.
Sem a vacina o surto seria catastrófico
O infectologista, professor e pesquisador Carlos Brites, gerente de Ensino e Pesquisa do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia (HUPES/UFBA), destaca que a vacina é de suma importância, incluindo a população infantil, e sem a vacinação esse cenário seria catastrófico. "A vacinação, nos níveis atuais, é a única defesa que tivemos para enfrentar essa explosão atual de casos, sem colapso no sistema de saúde”.
Dra. Ceuci explica que, no caso da Ômicron, a maior proteção da vacina ocorre com a dose de reforço, principalmente para os mais vulneráveis, como idosos e imunossuprimidos – estes últimos, inclusive, já estão tomando a quarta dose. “A vacina confirmou o que os estudos apontaram: previne formas graves e óbitos, e são seguras em qualquer faixa etária”, destaca a médica.
O que esperar no Brasil
Dr. Brites vê o cenário com cautela, destacando que é muito difícil fazer previsões quando o assunto é Covid-19, devido à imprevisibilidade do comportamento do SARS-CoV-2. Mas no Brasil, ele explica, existem dois cenários mais prováveis: no primeiro, pelo grande número de pessoas infectadas pela Ômicron, associada às elevadas taxas de vacinação atingidas no país, passaríamos a conviver com uma virose endêmica, não mais pandêmica, o que significaria o fim da pandemia, reduzindo o número de casos após o pico de infecções, com diminuição das chances de surgimento de novas variantes.
E o segundo cenário aponta para a direção oposta: dada a grande variabilidade genética do vírus, o aumento no número de infectados levaria a uma maior diversidade viral, com possibilidade de surgimento de variantes ainda mais transmissíveis, ou mais agressivas, que poderiam escapar da proteção conferida pelas vacinas atuais. “Isso levaria ao agravamento da situação epidemiológica, com consequências imprevisíveis. Os pesquisadores da área estão torcendo, obviamente, pelo primeiro cenário”, reforça ele.
Novas e velhas variantes vão continuar circulando?
Médicos e cientistas explicam que, a cada variante nova, com maior capacidade de infecção, as pré-existentes se retraem e desaparecem. É um fenômeno conhecido como “evolução viral”, onde variantes mais capazes de se replicar e se disseminar ganham a corrida pelo hospedeiro, tornando as demais inativas, pela incapacidade de se replicar de forma tão eficiente. “Ou seja, podemos dizer que cada variante traz um vírus mais aperfeiçoado na arte de infectar os hospedeiros susceptíveis, eliminando a concorrência”, explica Dr. Carlos Brites.
O pneumologista Guilhardo Fontes alerta que sempre existe a possibilidade de velhas variantes surgirem, seja isolado ou associado a cepas recentes, mas com baixo poder de mortalidade o que, ele acredita, já vem ocorrendo. “Nesses mais de dois anos, percebemos e melhoramos alguns erros e acertos. Estamos ficando mais habilidosos no enfrentamento de todas as fases da pandemia, otimizando as medidas preventivas e terapêuticas de expertise. Esperamos, para muito breve, o momento de paz e tranquilidade”.
Vacinação desigual aumenta o risco
Embora o nível de imunidade da população vá ajudar no combate à novas variantes, Dra. Ceuci alerta que a desigualdade da vacinação no mundo não vai nos deixa sair desse período pandêmico tão cedo, inclusive trazendo perigo de novas variantes. “Enquanto países como Chile, por exemplo, já vacinou 94% da população, outros, como no continente africano, vacinaram menos de 20%. É aí que mora o perigo do surgimento de outras variáveis, tanto mais transmissíveis, como mais virulentas, ou seja, com maior capacidade de causar doença”. Por isso, reforça ela, é muito importante não deixar de usar máscara e evitar aglomeração, duas formas eficazes de proteção.
O futuro para o combate à pandemia
A disponibilidade de medicamentos eficazes contra o vírus, que podem reduzir a gravidade da Covid-19, prevenindo mortes, e até mesmo a própria infecção, trazem a esperança de que o mundo possa, em um futuro próximo, combater a pandemia. O desenvolvimento de vacinas mais eficazes e duradouras também pode se constituir em um avanço decisivo nessa luta. De acordo com Dr. Brites, já existem projetos em andamento focados na produção de vacinas eficazes contra qualquer variante do vírus, o que eliminaria o risco de falha após o surgimento de mutantes. “Embora a disponibilidade de algumas alternativas terapêuticas ainda serem limitadas a alguns países, os avanços da ciência tornam possível prever o controle da pandemia com armas farmacológicas em um futuro próximo, caso isso não ocorra como resultante da propalada imunidade de rebanho”.
Estudo do Paxlovid na Bahia
Na Bahia, sob a coordenação do Dr. Carlos Brites, um estudo vem sendo desenvolvido no HUPES/UFBA, para testar a eficácia do Paxlovid, medicamento antiviral desenvolvido pela Pfizer e já aprovado em outros países. Estudos prévios mostraram que o medicamento é capaz de reduzir as formas graves da Covid-19 em 89%.
Dr. Brites explica que esse estudo tem como objetivo demonstrar a eficácia do medicamento em evitar a infecção em pessoas que não se vacinaram, nunca tiveram Covid, e que tiveram contato próximo com portador da doença nos últimos 5 dias. Como esta população é considerada de alto risco para desenvolver a Covid-19 na forma mais grave, o estudo vai avaliar se o medicamento, nesses casos, é capaz de evitar o desenvolvimento da infecção, mesmo após a exposição de alto risco. “Ou seja, avaliaremos a capacidade de seu uso como uma espécie de "profilaxia pós-exposição””.
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