Covid no Brasil: será possível evitar a explosão da terceira onda?
Especialista da Fiocruz alerta sobre variante ainda mais agressiva
O avanço da vacinação, embora ainda de forma lenta no Brasil, traz boas expectativas em relação ao controle da pandemia, e a médio e longo prazo os especialistas acreditam que a vacinação conseguirá controlar o vírus, contribuindo para o retorno das atividades presenciais em breve, como já tem sido observado nos EUA e na Europa.
Porém, preocupa os cientistas e pesquisadores, o surgimento de variantes ainda mais agressivas que podem surgir devido à transmissão descontrolada em virtude do relaxamento das medidas de distanciamento e uso de máscara, associado a uma vacinação ainda devagar. “O controle da pandemia depende da adoção das medidas não-farmacológicas e da vacinação em massa. Alta transmissão significa alta replicação e, consequentemente, alta taxa de mutações virais”, explica o biólogo e pesquisador em Saúde Pública da FIOCRUZ/Bahia, Ricardo Khouri, doutor em Patologia Experimental e professor de Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Terceira onda
De acordo com o especialista, a falta de prevenção adequada, ou maior efetividade no combate à transmissão, impactam nessas fases de ida e vinda no aumento de casos, e uma terceira onda já pode estar instalada. “Agora, em junho, observamos um aumento de casos, e maior ocupação de leitos. Fatores que indicam que entramos em uma terceira onda. O que não está muito claro, é se a taxa de vacinação atual conseguirá impedir uma explosão nessa terceira onda, a partir da alta transmissão de variantes de preocupação”, esclarece Dr. Ricardo.
As variantes de preocupação
Variantes de preocupação (ou VOCs, do inglês Variant Of Concern) são as variantes com maiores transmissão e patogenicidade, e/ou maior escape dos mecanismos protetores induzidos pelas vacinas.
No Brasil, a circulação da VOC Gamma (P1, originada em Manaus) já é responsável por cerca de 70-80% dos casos no país. De acordo com o especialista, essa variante é altamente contagiosa, possui escape imunológico e está associado a casos mais graves da Covid-19.
Além dessa VOC, que ainda continua evoluindo no Brasil, outras foram detectadas e causam preocupação: a Alpha (B.1.117, originada na Inglaterra) e a Delta (B.1.617.2, originada na Índia). “Resultados mais atualizados mostram que a variante Delta é a mais agressiva, apresentando maior transmissibilidade e patogenicidade, indicando que devemos ficar muito atentos,” orienta o especialista.
Prevenção para evitar novas variantes
Dr. Ricardo esclarece que a circulação dessas variantes, no atual contexto de alta transmissibilidade viral no país, traz muita preocupação, pois pode gerar VOCs ainda mais perigosas. “Assim, é necessário aumentar o diagnóstico e estimular as medidas não-farmacológicas para isolar mais rápido os casos e reduzir a transmissibilidade, enquanto avançamos na vacinação”.
Normalidade não será no início de 2022
O especialista alerta, ainda, que a lentidão da vacinação pode favorecer o surgimento de uma variante resistente à proteção vacinal. Embora o ritmo da vacinação esteja melhorando, essa lentidão comprometeu o retorno às atividades presenciais em 2021. “A expectativa é que, até o final do ano, o país consiga garantir a vacinação da população adulta. Porém, não dá para celebrar um começo de 2022 próximo da normalidade”, lamenta.
A eficácia das vacinas
As vacinas possuem alta eficácia para evitar sintomas leves (50-95%), e sintomas graves e óbitos (90-100%), contudo, mesmo com todos esses avanços, Dr. Ricardo alerta que, em intervalo de tempo muito curto, o vírus infectou 178 milhões e matou quase 4 milhões de pessoas no mundo, "mostrando que não devemos nunca subestimar este vírus e devemos continuar avançando, buscando novas formas de conter esta pandemia”.
Morte de adultos jovens
A Covid-19 está acometendo mais jovens agora do que durante a primeira onda. As causas estão relacionadas a uma alta taxa de transmissão de casos, ampliando significativamente o número de jovens infectados, e da alta circulação das VOCs. Além disso, o especialista destaca que, como o Plano Nacional de Imunização avançou na cobertura vacinal entre as pessoas acima de 60 anos, contribuiu para a mudança do perfil de gravidade, acometendo, em maior escala, as pessoas mais jovens.
A contribuição recorde da ciência
Em mais de 1 ano de pandemia o avanço da ciência vem sendo fundamental para traçar e iluminar o caminho para o mundo sair dessa pandemia. Dr. Ricardo destaca alguns desses avanços:
Em tempo recorde foi possível identificar e sequenciar o genoma completo do patógeno causador do surto, utilizando técnicas de sequenciamento de nova geração. Isso apenas algumas semanas após o início do surto em Wuhan, na China. “ A partir disso, foi possível estabelecer os mecanismos de entrada do vírus nas células, a importância da transmissão a partir das vias aéreas, e iniciar o desenvolvimento de vacinas eficazes utilizando a informação genética do vírus”, completa o pesquisador.
À medida que os casos iam sendo melhores estudados, o manejo clínico dos casos graves foram aprimorados, estabelecendo melhores critérios para o uso do suporte de oxigênio e do uso de drogas auxiliares para tratar as consequências da infecção pelo SARS-CoV-2, como o uso de antibióticos, corticoides e anticoagulantes.
A ciência revelou o papel crucial da transmissão viral entre pessoas, através da disseminação de gotículas infectadas, que podem se manter em suspensão por horas em ambientes fechados, permitindo a elaboração de protocolos rígidos de isolamento de contato e estímulo para o uso amplo de máscaras.
“Esses avanços evitaram, certamente, um número alto de óbitos, quando comparado a um possível cenário de circulação do vírus sem as medidas não-farmacológicas, como o uso de máscaras e isolamento, e da ausência de um manejo do paciente sem o uso de drogas para tratar as consequências trombolíticas e inflamatórias da infecção”, reforça Dr. Ricardo.
Além disso, outros avanços científicos também ocorreram no desenvolvimento de fármacos específicos para combater a replicação viral no organismo, como a recentemente aprovação pela a ANVISA do uso dos anticorpos monoclonais Banlanivimabe e Etesevimabe, e antiviral, Remdesivir, para tratamento de pacientes com Covid no país. “Porém, o alto custo dessas drogas limita muito o uso amplo do medicamento”, revela o pesquisador.
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