Artigo médico: novidades no tratamento da hipercolesterolemia
Dislipidemias são, por conceito, distúrbios do metabolismo dos lípides e das lipoproteínas. As dislipidemias mais comuns na prática clínica são a hipercolesterolemia isolada, a hipertrigliceridemia isolada, a hiperlipidemia mista e a hipoalfalipoproteinemia, ou HDL-colesterol baixo isolado. Entretanto, há de se expor que existem outras dislipidemias como a hipobetalipoproteinema / abetalipoproteinemia (quilomícrons, VLDL e LDL baixos) e a hiperalfalipoproteinemia (HDL muito alto).
O programa de estudo Framingham Heart Study, iniciado em 1948, nos deu o conceito de fatores de risco para doença aterosclerótica, entre os quais figura em importante papel a hipercolesterolemia, seja isolada ou em hiperlipidemia mista. A partir da década de 1970, estudos sucessivos de intervenções farmacológicas foram realizados na tentativa de controlar a hipercolesterolemia e prevenir infartos e mortes cardiovasculares. Contudo, a classe das estatinas só foi considerada efetiva na prevenção de eventos cardiovasculares ateroscleróticos, especialmente em pacientes que apresentam maior risco, a partir de 1994, com estudo 4S. Hoje, o benefício do uso contínuo de drogas da classe das estatinas é inquestionável, contudo há duas situações ainda em discussão e pesquisa: a indicação em pacientes de menor risco, como prevenção primária; e a redução de eventos nos pacientes de muito alto risco, intolerantes ou em uso das suas doses máximas.
A primeira condição é área de estudo na estratificação do risco cardiovascular. Alguns escores de riscos e tantos outros exames complementares foram desenvolvidos à busca da aterosclerose subclínica na prevenção do infarto, o qual costuma ser a primeira manifestação da doença em metade dos casos. A tomografia coronária, seja para quantificação do escore de cálcio ou estudo contrastado – angiotomografia -, representa importante avanço e seu uso na prática clínica tem se mostrado valioso.
Quanto aos pacientes de muito alto risco, o melhor entendimento da aterosclerose e do metabolismo lipídico tem permitido o avanço terapêutico. Além de drogas que controlam de forma mais efetiva os outros fatores de risco, como Diabete Melito e Hipertensão Arterial Sistêmica e a educação em saúde da população em adquirir melhores hábitos de vida, o tratamento específico da aterosclerose das dislipidemias avança a passos largos.
Atualmente, estuda-se intervenção específica sobre a inflamação com resultados promissores a partir do uso do canakinumab, anticorpo anti-interleucina 1β. No tratamento da hipercolesterolemia, depois da frustrada tentativa de resgatar a niacina, a ezetimiba (inibidor da absorção intestinal de colesterol) mostrou resultados significativos e sinérgicos, mas não tão entusiasmantes na redução de eventos cardíacos, quando associada a altas doses de estatinas. O desenvolvimento de drogas mais potentes para tratamento da hipercolesterolemia familiar, condição genética grave e de complicações precoces, trouxe à clínica diária melhores ganhos. O lomitapide, inibidor da MTP, e o mipomersen, oligonucleotídeo que inibe a síntese da apoproteína B, são drogas que reduzem a circulação da lipoproteína de baixa e muito baixa densidade (LDL), portanto a disponibilidade de colesterol para o desenvolvimento de aterosclerose, embora ainda com resultados tímidos em redução de desfechos duros e efeitos colaterais que atrasam sua incorporação na clínica diária. Entretanto, os anticorpos anti-PCSK-9 (proproteina convertase subtilisina/kexina tipo 9), a saber, evolocumab e alirocumab, que inibem a degradação intracelular dos receptores da LDL e, portanto, aumentam a retirada dessas partículas e o metabolismo hepático do colesterol, mostraram resultados significativos na redução do LDL-colesterol a níveis muito baixos no sangue, em torno de 30 mg/dL, e redução em torno de 15% de infartos e mortes em pacientes de muito alto risco, portadores de aterosclerose em prevenção secundária.
A incorporação desses novos recursos em benefício dos nossos pacientes passa por outros obstáculos, como exemplos sociais e econômicos, mas a disponibilidade do conhecimento já nos faz mais fortes.
Por Dr. Marcos Barros, doutor em Ciências da Saúde FM/USP, professor titular da Unifacs/Laureate International Universities e médico cardiologista no Hospital Aliança