É normal a criança mentir? Entenda melhor e saiba como lidar com isso

Psicoterapeuta explica os principais motivos que levam as crianças a mentirem, e os pontos frágeis que podem agravar a frequência e a intensidade com que isso ocorre

 

Crianças costumam fantasiar, e também mentir. Até certo ponto, isso faz parte do imaginário infantil, mas é preciso entender e compreender se a intensidade e a frequência com que a criança mente pode ser considerado normal ou requer mais atenção.

De acordo com o psicoterapeuta Danillo Holzmann, as razões pelas quais as crianças mentem podem ser as mais variadas. No entanto, observa-se que algumas mentiras aparecem com mais frequência e podem ser um ponto de atenção para os pais que desejam inibir esse comportamento. “É importante estar atento, porque, embora o ato em questão seja o de mentir, os antecedentes que influenciam esse comportamento precisam ser vistos na sua especificidade”, orienta o especialista.

Um dos motivos mais comuns da criança mentir é o medo da punição. Nesse caso, a criança mente por medo da severidade do castigo que vai receber. Segundo o psicoterapeuta, é comum isso ocorrer também com a criança que convive em um ambiente com muitas punições severas, chantagem emocional, humilhações e outras atitudes punitivas, ou mesmo inconstante (sem previsibilidade das consequências). “É importante dizer que, em um ambiente punitivo, podemos ensinar coisas de maneira indireta, isto é, sem termos a intenção de fazê-lo. Por exemplo, ao agirmos com violência para afirmar um valor, a criança pode até aprender esse valor, mas pode, também, aprender que está tudo bem agredir alguém quando esse frustra a sua expectativa; ou ainda, que o erro não foi mentir, mas, ser pego; ou mais, que ela pode mentir desde que sinta que suporta a punição. Todas essas possibilidades não ensinam o comportamento que se quer instaurar, que é o de valorizar e dizer a verdade”.

Outro fator desfavorável é a criança crescer em um contexto onde é constantemente enganada, com pequenas desculpas, como por exemplo: “na volta a gente compra”, quando não se tem a intenção de fazer isso. Esse cenário, explica o psicoterapeuta, acaba se tornando propício para que a mentira seja “aceitável” e transformada em uma forma de se evitar “adequadamente”. Ou seja, tudo bem mentir para se livrar de uma situação embaraçosa. “Para esse caso, a dica é não subestimar a capacidade de percepção da criança. Tem que apresentar a verdade como um valor, tanto individual, como para a família. Isso tende a fortalecer o vínculo e a confiança, e vai desestimular o comportamento mentiroso”, orienta o psicoterapeuta.

 

 

Outro motivo muito comum é o medo de decepcionar os pais. Isso ocorre em contextos onde o amor é apresentado como “atender expectativas”. De acordo com o psicoterapeuta, geralmente, em ambientes assim, a criança passa a buscar aprovação e validação por tudo, pois aprendeu que precisa se comportar de uma maneira específica para ser amada. “Não estou dizendo que não exista forma apropriada de se comportar, e que isso não deva ficar claro. Muito pelo contrário, a função dos pais, além de dar a vida, é dar à criança o “como viver”. Isto é, os valores necessários para construir essa vida. O equívoco está em condicionar o amor. Se a criança entende que é amada por quem ela é, a motivação para mentir, nesse sentido, tenderá a diminuir”.  

O que é mentira, e o que é fantasia

É preciso também diferenciar mentira de fantasia. As crianças menores costumam fantasiar – isso acontece naturalmente no período de desenvolvimento da linguagem, entre os 2 e 3 anos de idade. É uma forma de desenvolver essa habilidade, em que ela está aprendendo a lidar com o campo da abstração. Ela começa a perceber a capacidade de falar de modo mais lógico e articulado sobre coisas que não estão no seu campo de visão. “Pode-se dizer que, nessa fase, a criança não tem bem noção do que é uma mentira. Com o tempo, isso vai passar e não deve ser alvo de preocupação”.

 

 

Quando se preocupar com o tamanho da mentira

Se for uma história inofensiva, fantasiosa, criativa, de uma criança menor, a sugestão é deixar rolar, sem preocupação, mas sempre esclarecendo para a criança que é uma fantasia, um “faz de conta”. De acordo com Danillo, essa fase é importante para o desenvolvimento da abstração, da capacidade discursiva e da linguagem.  “Do ponto de vista prático, é preciso levar em consideração os valores e princípios de cada família. O nível de tolerância será maior ou menor dependendo desse fator. Cada família deve escolher o quanto de “mentira” tolera, sabendo das consequências que isso trará na construção da personalidade da criança. Nesse sentido, a orientação é cultivar uma vida virtuosa e voltada para a verdade. O exemplo tende a ser um bom estímulo para isso. Mas, sobretudo, é preciso coerência”, orienta o psicoterapeuta. 

 

Como os pais devem proceder

O especialista alerta que não dá para ajudar a criança a não mentir no momento em que ela está mentindo. Mas é preciso cultivar um ambiente seguro e confiável onde a verdade é apresentada como um valor familiar. A dica do especialista é lidar com o problema de maneira amorosa e interessada pela causa.

Uma forma de fazer isso é através de perguntas, tipo:  

• O que aconteceu?

• Como posso te ajudar a resolver isso?

• Porque você mentiu?

• Como você se sentiu?

 

E ser direto na abordagem, como nesse exemplo: 

“Filho, olha só. Eu vi que não aconteceu como você falou e quero conversar com você sobre isso, para saber por que você não me disse a verdade.”

E validar seus sentimentos, tipo assim: 

“Eu imagino que você esteja com medo de nos decepcionar, e pode até ser que isso aconteça, mas, valorizamos muito a verdade aqui nesta família e sempre devemos preferir a verdade”.

 

 

Mas lembrando que o tom em que essas perguntas e essas abordagens são feitas é muito importante e devem demonstrar uma curiosidade amorosa. A regra é estabelecer uma conexão emocional com a criança.  

Se você já sabe que é uma mentira, não seja um investigador, mas crie um ambiente emocionalmente seguro para que ele não tenha medo de te contar o que precisa, mesmo coisas difíceis e vergonhosas. E aguente o tranco caso a criança diga algo que você não goste.

O psicoterapeuta explica que, nessa fase, as crianças estão aprendendo a lidar com o mundo e valores que precisam ser transmitidos de uma maneira mais direta, respeitando seu processo de desenvolvimento. “Afinal, você espera que ela diga a verdade. E quando ela fizer, ofereça uma consequência adequada para este comportamento”, orienta.

 

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