Cuidar da saúde mental é tão essencial quando cuidar da saúde física

Em 1946 a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu a Saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade”.

Diante isso, é importante destacar, nesse Dia Mundial da Saúde Mental, que não somos capazes de nos manter funcionais e ter qualidade de vida se não tivermos uma boa saúde mental.

Assim como a saúde física, a saúde mental é um componente que promove a capacidade do indivíduo de viver, trabalhar, gerir a própria vida, enfrentar dificuldades do dia a dia, se relacionar bem consigo e com os outros.

Apresentar ou não uma boa saúde mental está diretamente associado a dois fatores: carga biológica, ou seja, predisposição genética que torna a pessoa vulnerável ao adoecimento mental; e fatores externos, que podem ocorrer ou não na vida de cada um.

A psiquiatra Ângela Miranda Scippa, professora titular do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), esclarece que alguns transtornos como depressão, esquizofrenia e transtorno bipolar possuem significativa carga genética, mas situações adversas como lutos e vivências traumáticas, além de relações conflitantes, sejam familiares ou sociais, podem interferir no estado mental, assim como outros fatores externos que se apresentam determinantes.

“Pessoas expostas a situações estressantes de vida, como ter empregos desgastantes, com pouca valorização ou baixa remuneração que impedem a satisfação das necessidades diárias, que vivem em áreas violentas e que não têm acesso a serviços de saúde tornam-se mais vulneráveis à perda da saúde mental, além da física”.

A psiquiatra também alerta para outros fatores da atualidade como o uso abusivo de internet e mídias sociais, que geram comportamentos compulsivos e insatisfações na esfera pessoal, do tipo “a vida do outro parece bem melhor do que a minha”; além da busca incessante de prazer através do abuso de álcool, de drogas, de compras excessivas e desnecessárias, que levam a desajustes familiares.

 

Para uma boa saúde mental

A psiquiatra destaca os três aspectos fundamentais para a manutenção e cuidado com a saúde mental:

No âmbito pessoal: É importante que cada indivíduo procure cuidar melhor de si mesmo, através da prática de atividade física; da meditação; de uma dieta balanceada e saudável; do respeito ao padrão do ciclo de sono-vigília; da criação e manutenção de atividades de lazer frequentes; de tirar férias e gozá-la com liberdade e regularidade; participar de projetos que envolvam pintura, dança, canto e artesanatos diversos.

 

 

“Caso essas medidas sejam tomadas e haja persistência de qualquer tipo de sofrimento psíquico, um psiquiatra ou psicólogo deve ser consultado, para investigar a existência de uma doença mental instalada”, orienta.

 


No âmbito coletivo: Sabe-se que o bem estar mental individual pode ser abalado por terceiros. Sendo assim, cada pessoa deve contribuir para a preservação da saúde nos grupos em que convive, dando suporte social, ajudando uns aos outros nos seus respectivos problemas, honrando os compromissos pessoais assumidos, evitando sobrecarga a terceiros sob qualquer ângulo de atuação, seja em casa, no trabalho ou na comunidade.

“Além disso, o impacto da agressão verbal e física, dos maus tratos, do abuso sexual em qualquer faixa etária são fatores que contribuem para a perda da saúde mental e podem levar ao desencadeamento de doenças mentais graves”, ressalta.

 

No aspecto ambiental: É fundamental ter acesso a serviços de saúde, para garantir o tratamento médico de qualquer enfermidade; e viver em um local seguro, sem violência, e que tenha condições ambientais adequadas, como rede de saneamento, água, luz, dentre outros.

 

Tabu e preconceito

Mas, embora cuidar da saúde mental seja um componente fundamental para nossa vida, ainda existe tabu e preconceito em se falar abertamente sobre isso, e encarar como parte dos cuidados que todos precisamos ter para uma melhor qualidade de vida.

 “Falar do próprio estado de saúde mental, ou declarar-se portador de alguma patologia, ainda é assunto polêmico, e por esse motivo, muitas pessoas têm dificuldade de expressar seus problemas, suas dificuldades e, em alguns casos, até se envergonham em pedir ajuda e interpretarem como sinal de fraqueza de caráter e fragilidade”, explica a psiquiatra.

 

 

A médica destaca que, com base no conceito equivocado de que toda doença mental é “loucura” ou perda total da sanidade mental, as pessoas continuam padecendo de quadros depressivos e ansiosos, optando por procurar outros especialistas não psiquiatras, ou até mesmo buscando práticas não reconhecidas pela medicina. “Isso posterga ou impede o cuidado adequado, tornando a doença mais refratária ao tratamento e com chances maiores de se associarem a outras.”

 

Quando não tratada

A psiquiatra alerta que pessoas com ansiedade e depressão podem estar sujeitas a intensificar o consumo de drogas lícitas e ilícitas; e a depressão não tratada aumenta as chances da ocorrência de infarto agudo do miocárdio, de acidente vascular cerebral (AVC), e aumenta as complicações no pós-operatório de várias doenças, impactando na taxa internamento em hospitais. “Todavia, apesar dos conhecimentos sobre essa relação nociva, a depressão continua existindo e prejudicando uma parcela significativa da população”.  

Outro grande mito na sociedade é a crença de que crianças e adolescentes estariam livres de serem acometidos por doenças mentais, e frequentemente os próprios pais podem interpretar os sintomas da depressão como preguiça, manha, desculpas para não ir à escola ou não fazer as tarefas de casa, mas estatísticas revelam que as taxas de depressão, de tentativas de suicídio e de suicídio aumentaram nessa faixa etária nos últimos anos.

“Falar de saúde mental, assim como de suicídio, não deve se esgotar apenas em teorias ou conversas. É importante que, a partir desses conhecimentos, haja conscientização do que é verdade e do que é mito, e assim promover mudanças individuais nas ações e nos comportamentos”, orienta a psiquiatra.