Influenza: um mal que assusta

Em seis dias, um avanço de 14%, de 100 para 114 casos. Só este ano, 15 mortes, 10 delas em Salvador. Os números, de acordo com a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) divulgados em 15 de maio, demonstram que a população baiana tem motivos para se preocupar com o vírus Influenza/H1N1. A situação não é nova, já que todo ano, a epidemia de gripe retorna, geralmente no inverno.

Muito antigo na natureza, o vírus Influenza é caracterizado por apresentar duas porções - o H (hemaglutinina) e N (neuraminidase) - e é responsável pela gripe comum. “Ele é constituído de subtipos virais, sempre há uma modificação neles. Suas mutações variam de acordo com a composição de H e N”, explica a infectologista Nanci Silva.

Segundo o pneumologista Jorge Pereira, o comportamento do vírus passou a ser conhecido com a gripe espanhola (1914-1919), quando milhões de soldados e civis morreram vítimas da doença. “Desde então, se observa que em intervalos variados, de 20 a 40 anos, surge uma pandemia. Muitas dessas infecções eclodem em países africanos e asiáticos, mas recentemente uma apareceu no México”, lembra.

E quando elas aparecem, ganham nomes como ‘aviária’, ‘suína’ etc. A partir daí começou-se a identificar, com técnicas moleculares, o tipo de vírus causador do surto ou pandemia. “Apesar de ganhar apelidos, o vírus é o mesmo, com suas mutações”, explica o médico.

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Vacina

O que passou a existir nos últimos anos como novidade foi a vacina. Antigamente, era direcionada apenas para a Influenza A, apesar de existirem os tipos B e C, mais raros. “Hoje, já existe a trivalente, que cobre a cepa do H1N1, H3N2 e uma cepa do B, e a tetravalente, que, além de cobrir as já mencionadas, também tem efeito sobre mais uma cepa do B”, esclarece Dra. Nanci.

As modificações no vírus justificam a necessidade da imunização anual, já que ela é elaborada a partir da identificação dos tipos circulantes. As campanhas, por sua vez, são deflagradas no outono porque a vacina só passa a produzir efeito 15 dias após sua aplicação.

No Brasil, a vacina é feita com vírus morto, o que descarta a falsa ideia de que o paciente adoece após tomar a dose. “Isso não é possível. Quando isso acontece, é fruto de uma dentre três possibilidades: uma reação vacinal comum, com moleza no corpo e estado febril; a pessoa já estava com o vírus da gripe encubado e se manifestou após tomar a vacina (que só tem efeito após 15 dias); ou a pessoa tem uma alergia, uma rinite por exemplo, com congestão nasal e acha que é gripe”, argumenta Dr. Jorge.

Por isso é importante diferenciar gripe de resfriado. O resfriado é causado por dezenas de vírus. É uma condição mais leve, habitualmente sem complicações, que não leva a óbito e se caracteriza por manifestações nasais (rinite, coriza, espirros, constipação), possível dor de garganta e febre baixa. Habitualmente, a doença não leva a pessoa pra cama, nem a impede de trabalhar e desaparece em poucos dias, sem complicações.

Já a gripe, causada pelo Influenza, é uma condição potencialmente mais grave, com sintomas não só respiratórios, mas sistêmicos. Além dos sintomas do resfriado, o paciente passa a ter mialgia (dor muscular), mal estar, febre alta e perda de apetite. O corpo pede cama, o que leva ao alto índice de absenteísmo (falta ao trabalho).

Na grande maioria das vezes, tem um curso de 5 a 7 dias e vai embora com ou sem sintomas residuais, como a continuidade de tosse, mas podem ocorrer complicações. “Enquanto o curso da Influenza é mais conhecido e só pessoas mais vulneráveis é que apresentam complicações, as variantes H1N1 e H3N2, que estão circulando agora, são bem mais agressivas e matam gente jovem saudável”, alerta o pneumologista.

 

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“Nada é único. O chamado ‘público-alvo’ - formado por crianças entre seis meses e dois anos, idosos, pacientes com imunodeficiências, diabéticos e grávidas, entre eles -, são pessoas com maior risco de desenvolver doenças na forma mais grave e por isso são prioritárias na vacinação. Mas também existem cepas de maior virulência”, completa a infectologista.

Mas como diferenciar clinicamente se o paciente está com a Influenza A ou uma das mutações agressivas? Isso faz diferença, já que no caso das variantes é preciso um tratamento diferenciado, que quanto mais cedo for adotado, melhor o resultado. “É preciso tratar os sintomas nas primeiras 48 horas”, adverte Dr. Jorge. Dra. Nanci concorda. “O médico tem de estar atento à sintomatologia clínica. valorizar a queixa do paciente, quando ele relata sintomas súbitos. O quadro respiratório é importante e pode evoluir para pneumonia, causada pelo próprio vírus ou por bactéria, já que o organismo fica frágil e abre uma porta para infeções oportunistas”.

Uma situação específica, e responsável pela maior parte dos óbitos, chama a atenção. É nela que se faz necessária a utilização do medicamento Oseltamivir. Trata-se da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), doença de notificação compulsória e caracterizada pelos mesmos sintomas da gripe acompanhados de febre alta com curso abrupto, falta de ar, maior prostração, oxigenação abaixo de 95 e ruído na ausculta dos pulmões. Nesses casos, deve-se suspeitar do H1N1, medicar logo e internar o paciente.

Apesar da notificação compulsória da SRAG, acredita-se que haja uma subnotificação e, já que alguns casos apresentam resultado falso negativo. O teste de maior rendimento consiste num ‘lavado da nasofaringe’, pelo qual se introduz um cateter no nariz até a altura da garganta, se joga soro e aspira. “O material aspirado é encaminhado ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) pra confirmar o diagnóstico, mas o tratamento deve ser iniciado imediatamente”, revela Dr. Jorge.

Contágio e prevenção

Então, por que não liberar a medicação para todos? A comunidade científica mundial receia que o vírus crie resistência, o que pode gerar problemas ainda maiores, já que o vírus, apesar de não ter vida longa fora do organismo, sua transmissão é fácil, por via respiratória. “Desde um dia antes e sete dias após o fim dos sintomas, o paciente transmite o Influenza. Tosse, espirros a um metro de distância permitem a transmissão. Objetos contaminados também. Mas o contato deve acontecer com as mucosas, especialmente nariz, boca e olhos”, ressalta Dra. Nanci.

Para se prevenir, valem os hábitos de higiene frequente das mãos e uma boa dose de educação. “Usar lenços descartáveis e não tossir ou espirrar perto de outras pessoas. O contágio é fácil, mas a prevenção também”, orienta a médica, que também indica evitar locais fechados com aglomeração de pessoas e ir à escola ou trabalho enquanto estiver doente.

Preconceito

O pulo do gato da prevenção é mesmo a vacina. “Ela é eficaz e segura”, fazem coro os médicos.

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Dra. Nanci lamenta que atualmente esteja se formando uma cultura da ‘antivacinação’. Para ela, depois do saneamento básico, a vacina é um dos métodos mais efetivos na prevenção de doenças. “Por isso estamos assistindo um aumento de patologias como sarampo e poliomelite em países desenvolvidos. Não dá pra entender quais os interesses por trás desse movimento antivacinal”, critica.

“Houve um momento em que se divulgou o boato de que a vacina matava idosos para que o governo deixasse de pagar a aposentadoria. Isso não existe. Basicamente, a única contraindicação é para quem tem alergia a ovo. No restante da população, são selecionados grupos em função de sua vulnerabilidade”, garante o pneumologista.

De certa forma, a questão econômica não pode ser descartada. Quando se tem uma vacina com 98% de eficácia para prevenir doenças que impedem crianças de ir à escola e dos pais perderem seu dia de trabalho, estamos falando também de economia. “Temos falhas graves no atendimento de saúde à população, mas no setor de vacinação, o sistema é primoroso”, defende a infectologista.