Pandemia coloca tratamentos em risco
Em virtude da pandemia, muitas pessoas com comorbidades e outras patologias, deixaram de fazer, ou diminuíram muito, o acompanhamento necessário com relação a suas doenças, com receio de ir às consultas e fazer exames. Mas negligenciar ou minimizar esse acompanhamento certamente pode trazer implicações para a saúde, e esta tem sido uma grande preocupação dos médicos nesta pandemia. “Na primeira onda da Covid, ano passado, diminuiu bastante a ida dos pacientes às consultas, mas com os protocolos de segurança de clínicas e hospitais, aos poucos eles foram retornando. Mas agora, estamos observando uma nova redução, e nos preocupa o futuro desses pacientes”, revela o cardiologista e intensivista Nivaldo Filgueiras, presidente da Sociedade Norte Nordeste de Cardiologia (SNNC) e vice-presidente da Associação Bahiana de Medicina (ABM).
Ele alerta que existem inúmeras doenças crônicas que necessitam de um acompanhamento regular para não piorar o quadro clinicamente, com repercussões graves. “Diabetes e hipertensão, por exemplo, afetam órgãos vitais, como o coração e os rins, e podem levar a doenças graves incapacitantes que pioram a qualidade de vida, com risco de morte”, reforça o cardiologista.
O pneumologista Jorge Pereira, presidente da Sociedade de Pneumologia da Bahia, destaca que os indicadores de saúde têm demonstrado que os óbitos associados às doenças crônicas cardiovasculares, respiratórias, renais, neurológicas, metabólicas, dentre outras, têm aumentado de forma significativa. “O que está acontecendo é que uma grande parcela da população tem recorrido à assistência médica somente quando suas comorbidades encontram-se descompensadas, e em estado avançado, muitas vezes sem perspectivas de tratamento efetivo”. E ele ressalta, ainda, que a presença de algumas dessas comorbidades, principalmente quando não tratadas devidamente, deixam a pessoa muito vulnerável para a Covid, aumentando os riscos de letalidade da doença.
Os especialistas avaliam que esse momento difícil da pandemia vem impactando profundamente no acompanhamento e procedimento de forma geral. Como exemplo, especialidades como cardiologia e oncologia, sofrem com atrasos em procedimentos invasivos, cirurgias, diagnósticos e biópsias, que prejudicam os prognósticos, a médio e longo prazo, e atrasa tratamentos. Para a oncologista Samira Mascarenhas, a falta de realização de exames é um problema, com impacto que ainda é impossível de calcular. “Em todo o mundo houve uma diminuição absurda do número de diagnósticos de neoplasia, o que pode piorar tumores avançados e trazer impactos para o paciente”, explica.
A decisão tem que ser compartilhada
A oncologista alerta que, diante de um momento tão grave, que impacta na manutenção de atividades essenciais de saúde, com fechamento de serviços e suspensão de cirurgias eletivas, esforços devem ser feitos para a manutenção de exames e diagnósticos, e as decisões em adiar ou suspender um tratamento precisam ser compartilhadas. “É uma decisão que precisa ser discutida com o médico e a equipe, para uma melhor estratégia terapêutica, levando em consideração riscos e benefícios do tratamento”. De acordo com ela, no caso da oncologia, muitos pacientes tiveram ajustes no tratamento para minimizar a exposição. “Porém, estamos passando por um momento muito difícil, onde as relações estão sendo reorganizadas, e é importante que o paciente se sinta seguro e confortável. Por isso, é preciso ter transparência nas ações, e uma conversa individualizada para avaliar e ponderar os riscos e benefícios”.
Com segurança
Os especialistas enfatizam que manter os pacientes em acompanhamento com seus especialistas é de vital importância, e isso dá para ser feito de forma adequada e segura, mantendo os protocolos de segurança, com uma correta triagem e usando os equipamentos de EPIs. E em casos graves, que necessitem de emergência hospitalar, é possível se dirigir a uma unidade adequada. “Os principais hospitais de Salvador desenvolveram fluxos separados para paciente com e sem Covid, justamente para reduzir o risco de contaminação. Portanto, paciente com doença aguda grave não deve permanecer em casa, pois corre o risco de evoluir para o óbito”, orienta do vice-presidente da ABM.
Além da fragilidade em que se encontra a assistência neste momento, o pneumologista Jorge Pereira se mostra preocupado também com outros fatores, como o expressivo número de casos de queda de idosos dentro de casa, o aumento dos distúrbios neuropsiquiátricos, a alta taxa de óbito por doenças cardiovasculares, e as expressivas sequelas pulmonares que a Covid vem deixando nos pacientes. “Junta-se a isso, a completa exaustão dos profissionais de saúde, e a desestruturação do setor, além da falta de informação confiável, excesso de notícias sensacionalistas, a ansiedade e a insegurança da população. Sem falar na escassez de insumos para as atividades assistenciais, que tem sido um fator marcante na seleção de pacientes no ambiente hospitalar”.
Teleconsulta
Neste cenário, a teleconsulta tem sido um recurso importante para acompanhamento dos pacientes com doenças crônicas, e até usada com sucesso por pacientes com Covid que não apresentam gravidade. Mas embora seja uma ferramenta útil, que auxilia o acompanhamento, a teleconsulta não pode substituir o atendimento presencial quando este se faz necessário. “Na grande maioria das vezes, a primeira consulta, de forma presencial, com histórico clínico detalhada e exame físico completo, já nos orienta em um provável diagnóstico. Portanto, cada caso é um caso”, destaca Dr. Nivaldo.
Dra. Samira avalia que a teleconsulta certamente é uma arma tecnológica muito favorável, e ela tem feito uso desse recurso em casos que é possível minimizar a ida do paciente ao consultório, como, por exemplo, quando estão em uso de medicações orais que podem ser avaliados à distancia. “Mas para as primeiras consultas ainda não aderi à teleconsulta pois os exames clínicos em oncologia são essenciais”, conclui.
Leia também:
Síndrome pós-Covid: os sintomas que precisam de atenção