Artigo médico: Implante de bioprótese por cateter contra a estenose da válvula aórtica
A estenose da válvula aórtica é uma doença progressiva, caracterizada, em seu estágio final, por restrição do volume de ejeção do ventrículo esquerdo, resultando em débito cardíaco reduzido, diminuição da capacidade para exercícios, insuficiência cardíaca, e morte. Sua prevalência, estimada em 0,2% dos adultos na faixa etária entre os 50 e 59 anos, aumenta a cada década, chegando a 9,8% na população acima dos 80 anos de idade. Considerando-se o acelerado envelhecimento populacional no país, com aumento progressivo da expectativa de vida e da população de idosos, espera-se que o número de pacientes com estenose aórtica degenerativa aumente proporcionalmente.
Nos pacientes com estenose aórtica grave, o aparecimento de sintomas, como angina, síncope ou dispneia, está associado a um elevado risco de morte, que pode ser maior que 50% em dois anos. Neste cenário, a substituição valvar é a única alternativa para redução dos sintomas e aumento da expectativa de vida. A cirurgia de troca da válvula aórtica (CTVA) por prótese biológica ou mecânica é o tratamento padrão para estes pacientes, desde que possuam risco cirúrgico aceitável. Contudo, uma parcela significativa da população com estenose aórtica degenerativa, composta por pacientes de idade avançada e portadores de diversas comorbidades, é considerada de alto risco para a cirurgia, ou mesmo inoperável. Neste contexto, o implante de prótese biológica aórtica por cateter – TAVI (Transcatheter Aortic Valve Implantation) deve ser rotineiramente considerado em hospitais qualificados.
Desde o primeiro implante em um humano, em 2002, o TAVI tem sido pesquisado em um grande número de ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais e registros multicêntricos, demonstrando a segurança e a eficácia do método terapêutico. O procedimento já sofreu modificações em sua técnica ao longo do tempo, assim como diversas melhorias no aparato tecnológico utilizado, inclusive nas próteses, chegando, atualmente, à maturidade de sua existência. TAVI é habitualmente realizado na sala de cateterismo cardíaco, através de punção das artérias femorais, mas pode também ser realizado através das artérias subclávias, ou pelas vias transaórtica ou transapical, através de técnicas minimamente invasivas. No Brasil, já há registro de aproximadamente 2.500 implantes desde 2008, quando o primeiro foi realizado.
Atualmente, a indicação apropriada do TAVI é feita após a avaliação por uma equipe de especialistas em doenças cardíacas valvares, composta por cardiologistas clínicos, cirurgiões cardíacos e cardiologistas intervencionistas. Este “heart team” tem o papel de definir o risco de morte e eventos adversos potencialmente associados à realização de uma cirurgia de troca valvar em cada paciente avaliado. A integração dos dados de escores de risco cirúrgico - avaliações anatômicas por exames de imagem e avaliação clínica da fragilidade - é comumente aplicada para decisão de qual o método de substituição valvar é mais apropriado para um dado paciente, se TAVI ou a CTVA.
Nos pacientes em que a cirurgia é contraindicada, ou seja, aqueles considerados inoperáveis, TAVI tem um impacto clínico significativo, reduzindo em 21,8% o risco absoluto de morte em cinco anos quando comparada ao tratamento clínico convencional. Em pacientes “operáveis”, mas considerados de alto risco para a troca valvar cirúrgica, TAVI é uma alternativa segura à cirurgia, demonstrando melhora hemodinâmica e clínica sustentada, com regressão da hipertrofia ventricular esquerda e taxas de mortalidade similares à troca valvar cirúrgica em curto e longo prazos.
Nessa população de alto risco, TAVI, comparada à cirurgia, apresenta um maior risco de complicações vasculares e de acidente vascular cerebral em 30 dias, porém com incidência cumulativa semelhante no período de cinco anos de acompanhamento nos grandes ensaios clínicos. A cirurgia de troca valvar, por sua vez, apresenta um maior risco de hemorragias, transfusões, fibrilação atrial e insuficiência renal aguda.
Em pacientes com risco intermediário para cirurgia, TAVI também demonstra não-inferioridade comparada à cirurgia, representando uma alternativa segura de substituição valvar neste grupo de pacientes. Contudo, à medida em que pacientes de menor risco recebem a indicação deste procedimento, e, principalmente, tratando-se de pacientes mais jovens, questões importantes como a durabilidade das próteses precisam ainda ser melhor esclarecidas.
Por fim, o uso da tecnologia do TAVI já pode também ser aplicado para tratamento de próteses biológicas com disfunção, implantadas previamente através de cirurgia cardíaca. Dessa forma, o risco de uma reoperação para troca valvar pode ser evitado através do implante por cateter de uma nova prótese biológica no interior da primeira (“valve-in-valve”). Este procedimento pode ser realizado com sucesso para tratamento de disfunções com estenose ou insuficiência das biopróteses, tanto na posição aórtica quanto nas posições mitral, pulmonar ou tricúspide. A expansão das indicações de implantes de biopróteses por cateter para tratamento da insuficiência aórtica da válvula nativa e de patologias da válvula mitral nativa será, certamente, mais um passo a ser dado em um futuro próximo.
Fábio Solano F. Souza
CRM-BA: 15.009
Médico do Serviço de Hemodinâmica do Hospital Cárdio-Pulmonar
Membro do Núcleo Pró-Saúde em Cardiologia