Sem susto: apenas de 5% a 10% dos casos de nódulos da tiroide são malignos

Quem procura tem grandes chances de realmente encontrar. Esse é o panorama geral que engloba os temidos nódulos da tireoide. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, estima-se que 60% da população brasileira apresentem tumores na glândula em algum momento da vida. Fosse só este número, o temor se justificaria. No entanto, a probabilidade de um nódulo ser maligno é baixa: de 5 a 10% dos casos.

Situada na frente dos anéis da traqueia, entre o pomo de adão e a base do pescoço, a tireoide possui dois lobos (esquerdo e direito), é comumente representada por uma borboleta, guarda uma relação complexa com outras estruturas anatômicas – veias, artérias, músculos e nervos – e produz os hormônios tireoidianos, responsáveis por diversos controles do organismo, como as batidas cardíacas, os movimentos intestinais, filtração renal e formação do sistema nervoso central. “A depender da faixa etária em que ela adoeça, as consequências são diversas”, alerta a endocrinologista Teresa Arruti.

O adoecimento, no entanto, não está relacionado exclusivamente à presença de nódulos. De acordo com a especialista, a doença nodular nem sempre afeta a função tireoidiana. “Pode existir um tumor benigno ou maligno, funcionante ou não-funcionante, e pode existir uma função tireoidiana comprometida, com hiper ou hipotireoidismo, que aparece com ou sem nódulo. As duas situações podem estar associadas, juntas ou isoladas”, explica, apontando como exemplo de associação a doença de Plummer, na qual o nódulo é hiperfuncionante e leva ao hipertireoidismo.

Não se sabe exatamente por que eles aparecem. Podem ocorrer simplesmente por alterações da arquitetura morfológica da glândula; decorrer de uma tireoidite – inflamação que promove a ruptura de seus folículos (vesículas onde se produzem e armazenam os hormônios tireoidianos) e posterior formação de conglomerado, são os bócios adenomatosos ou cistos colóides –; ou por neoplasias, malignas e benignas.

No caso específico do câncer, não faltam questionamentos. Há quem defenda que o aumento desses achados - caracterizado muitas vezes como ‘epidemia’ - se deva ao maior acesso a exames e consequentes diagnósticos. Outros acreditam que níveis crescentes de toxinas atuam de maneira significativa no organismo e especialmente sobre a sensível tireoide. 

Diagnóstico

Não há como negar que o acesso ao diagnóstico melhorou. Médicos de diversas especialidades hoje estão atentos aos sinais da tireoide, especialmente ginecologistas, já que a prevalência da doença nodular se dá no sexo feminino. Encaminhado ao endocrinologista, o paciente passa por exame clínico, incluindo a palpação e, posteriormente, se houver indicação, é encaminhado para a realização de ultrassonografia, um exame de baixo custo, alta disponibilidade, rápido, indolor e não invasivo.

De acordo com Dr. Moreira, a ultrassonografia colabora muito na diferenciação de um nódulo benigno de um maligno, segundo suas dimensões, contornos e conteúdo. A evolução dos equipamentos, com recursos agregados ao longo do tempo, tem ajudado muito.

É importante ressaltar que nenhuma característica ultrassonográfica tem capacidade isolada de determinar se o nódulo é benigno ou maligno. Essa certeza só é obtida por meio da punção aspirativa com agulha fina (PAAF). “Tudo deve ser feito de maneira a seguir um protocolo. Não se deve encarar o câncer de tireoide como uma panaceia, como algo extremamente prevalente, que justifique a realização de exames indiscriminadamente. É preciso haver indicações corretas”, alerta o médico anatomopatologista Luciano Espinheira.

Considerada padrão ouro no diagnóstico, a PAAF só é indicada pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia em nódulos a partir de 1 cm. Na Bahia, no entanto, há consenso de que todo nódulo sólido deve ser puncionado, independentemente do seu tamanho. “O que se leva em consideração é o fato de que detectando precocemente existe a chance de ter uma doença restrita à glândula, sem disseminação para linfonodos e com prognóstico extremamente favorável”, justifica Dr. Espinheira.

Para o especialista, o tumor de tireoide deve ser encarado com enfoque não só do endocrinologista, do ultrassonografista, do patologista, do cirurgião de cabeça e pescoço e do médico nuclear – profissionais envolvidos em todo o processo de detecção da doença –, mas sim do conjunto formado por todos eles. E é examente assim que acontece no Ambulatório de Punção Aspirativa do Hospital das Clínicas, onde todos os endócrinos residentes aprendem a fazer a punção, interpretar o ultrassom e a lâmina no microscópio e ainda laudar, de modo que a linguagem do patologista seja acessível a eles. “Nos orgulhamos da abordagem da patologia globular tireoidiana ser totalmente padronizada na Bahia, feita por equipe multidisciplinar”, revela.

O resultado da PAAF, por sua vez, é correlacionado com a probabilidade de carcinoma de tiroide por meio do sistema Bethesda, que classifica o material em seis categorias, de I a VI.

Tratamento

Assim como a realização da punção aspirativa, o tratamento do nódulo da tireoide deve ser avaliado com muita parcimônia, especialmente porque no caso de tumores malignos, os carcinomas papilífero e folicular são os mais frequentes na tireoide e bastante indolentes, ou seja, apresentam pouca evolução clínica. 

A tireoidectomia, ou retirada cirúrgica da tireoide, é indicada em quatro casos clássicos: neoplasia maligna; aumento da glândula causando sintomas compressivos no pescoço; crescimento da glândula em direção ao mediastino superior (bócio mergulhante); hiperfunção patológica da tireoide, ou seja, um hipertireoidismo em que o paciente não responde ao tratamento medicamentoso. Mas, segundo o cirurgião de cabeça e pescoço Paulo Guilherme Mettig, o que se discute em uma equipe multidisciplinar hoje é ‘filosofia’. “Se deve, quando e o quê operar. O mundo discute a preservação de órgãos, inclusive a da tireoide”, afirma.

Dr. Mettig argumenta que a retirada total da glândula representa uma alteração significativa no ciclo circadiano – no qual os hormônios são produzidos, sob demanda, em diferentes quantidades e em diversas horas do dia. “Com a retirada da glândula existe a necessidade de reposição hormonal por meio de medicamentos, mas ele promove uma linearização do fornecimento hormonal diário. Alguns se adaptam muito bem, outros não”, detalha.

Paratireoides

A defesa da retirada parcial da glândula ainda se baseia no fato de que a chance de complicações decorrentes da cirurgia cai para 50%, com menor risco de atingir estruturas nobres da região, como as paratireoides. Com características anatômicas peculiares e do tamanho de grãos de feijão, as quatro paratireoides foram as últimas glândulas endócrinas a serem descobertas, o que dificultou sobremaneira seu tratamento adequado até as primeiras décadas do século XX. 

Responsável pelo equilíbrio do cálcio no organismo e manutenção da massa óssea, sua retirada ocasiona graves crises de cãibra. “Sem conhecer a existência delas, os pacientes sofriam muito com essas contrações e eram considerados loucos. Internados em hospitais psiquiátricos, morriam em poucos dias com dores agonizantes. Por isso os cirurgiões consideravam a tireoide como a ‘glândula da alma’”, revela o cirurgião.

Portanto, deve-se entender a tireoidectomia não apenas como a retirada da glândula, mas a preservação das paratireoides e outras estruturas adjacentes, de modo que a qualidade de vida do paciente seja preservada.

Em casos de metástases, para além do esvaziamento do compartimento central do pescoço e seus linfonodos, vale realizar uma pesquisa de corpo inteiro com iodo I-131. Se localizada, usa-se a terepêutica do iodo, que queima os tumores. “A pergunta que merece ser feita é ‘será que não estamos usando uma escopeta pra matar mosquito?’ O remédio deve ser proporcional ao tamanho da doença. A cirurgia não é inerte. É um recurso que pode ser executado com segurança, mas tem de se discutir até que ponto”, finaliza Dr. Mettig.