Vacina com tempero baiano

Utilizando tecnologia pioneira no país, uma nova vacina contra a Covid-19 está em desenvolvimento na Bahia

 

O estudo clínico de uma nova vacina contra a Covid-19, a RNA MCTI CIMATEC HDT, está sendo conduzido na Bahia através de uma parceria de plano global em coparticipação de acordos para transferência de tecnologia e desenvolvimento pré-clínico e clínico, envolvendo 3 países: Brasil (SENAI CIMATEC), Estados Unidos (HDT BioCorp.) e Índia (Gennova Biopharmaceutical).

Desenvolvida no SENAI CIMATEC, que vai liderar o plano clínico das fases I, II e III, a vacina é a única de RNA em desenvolvimento no Brasil e carrega tecnologia pioneira no país, tendo como investigador principal o médico infectologista e PhD em Imunologia e Doenças Infecciosas,Roberto Badaró, pesquisador chefe do Instituto SENAI de Inovação em Sistemas Avançados de Saúde (ISIS-SAS). A condução dos ensaios clínicos está sob a liderança da farmacêutica, bioquímica e pesquisadora Bruna Machado, pesquisadora e professora titular do SENAI CIMATEC.

A previsão de finalização do desenvolvimento clínico completo no Brasil, das 3 fases, é para o final de 2022. No momento, está em andamento a fase 1 (no Hospital da Bahia), com cerca de 90 voluntários saudáveis, homens e mulheres de 18 a 55 anos, para avaliar a segurança, a reatogenicidade (capacidade da vacina gerar algum tipo de reação adversa) e imunogenicidade (capacidade da vacina gerar resposta imunológica) em diferentes concentrações e cronogramas.

 

Sobre a vacina

A vacina, RNA MCTI CIMATEC HDT, é baseada na tecnologia de RNA cuja substância ativa/insumo farmacêutico ativo (IFA) foi desenvolvida a partir de uma tecnologia inovadora na terapia gênica, os replicons de RNA, denominados de repRNA. O IFA da vacina é complexado com nanopartículas altamente estáveis e biocompatíveis, chamadas de LION (do inglês, Lipidic Inorganic Nanoparticle), o que permite uma eficácia imunoestimulante.  Embora seja de RNA, utilizando o mesmo princípio da Pfizer e a da Moderna, Dr. Roberto Badaró explica que o repRNA e o adjuvante LION, tornam a vacina potencialmente mais segura e adaptada para o enfrentamento de variantes. “É uma vacina que vai ser direcionada ao sistema que responde, mesmo, à imunidade, os linfonodos, sítios onde estão os linfócitos, que são capazes de produzir as respostas específicas, tanto de produção de anticorpos como as células de memória. E com o diferencial do LION, a vacina é capaz de se incorporar às 5 variantes existentes, hoje, do coronavírus. E isso é uma grande vantagem sobre as outras vacinas”.

 

As vantagens

Conforme explica a bioquímica Bruna Machado, as vacinas de repRNA, como a RNA MCTI CIMATEC HDT, possuem RNA mensageiro (mRNA) auto amplificantes, capazes de criar cópias de si mesmo e, por isso, as vacinas apresentam vantagens substanciais, tanto clínicas, como de produção, em comparação a outros modelos vacinais. “Com essa vantagem, o replicon de RNA adentra as células o que resulta em um aumento seguro e significativo da expressão e duração do antígeno, o que representa uma resposta imune robusta e duradoura. Esses resultados foram vistos nos estudos em animais, onde o IFA se manteve no sítio de injeção por volta de 7 dias”.

A bioquímica destaca, ainda, que vacinas com mRNA são produzidas e desenvolvidas através da técnica de transcrição in vitro, o que torna o processo de produção mais rápido e barato por não necessitar de algumas etapas que prolongam e custeiam a fabricação, ideais para situações de pandemia. “Além disso, vacinas baseadas em mRNA são mais seguras, uma vez que não são produzidas com elementos infecciosos, como bactérias ou vírus recombinantes”, revela.

Outros estudos indicaram que a imunização ocorreu de forma eficiente em animais de pequeno e grande porte, sem a necessidade de altas doses. Por isso, existe uma expectativa que a imunização possa ser realizada com doses baixas e, ainda, em esquemas de vacinação de dose única. “Esse princípio também confere vantagem em relação às vacinas convencionais, uma vez que a tecnologia de replicon possibilita a produção de vacinas com menores doses do IFA. Isso significa maior segurança, tolerabilidade, menores efeitos adversos e a grande possibilidade de aplicação da vacina em um esquema de dose única”, explica Dra. Bruna.

Ela destaca, ainda, a grande possibilidade de adequação da formulação da vacina de forma liofilizada, facilitando o processo logístico, garantindo maior facilidade de transporte, armazenamento e distribuição nas diferentes regiões e postos de vacinação do Brasil, além de estratégias para permitir a manutenção da estabilidade dos insumos, aplicando a refrigeração de geladeiras comuns (4°C) para a LION, por até 18 meses, e para o repRNA, por 3 meses (ou 18 meses a -80°C).

 

Os estudos são importantes

A médica e pesquisadora da Fiocruz, Dra. Viviane Boaventura, destaca que as vacinas de RNA mensageiro têm um futuro promissor na área de vacinologia considerando a rapidez com que se consegue criar ou modificar a vacina frente a um agente infeccioso novo, ou uma nova variante, respectivamente, e a capacidade de ativar de forma eficiente o sistema de defesa celular. “E com a tecnologia do RNA auto replicante, teoricamente, é possível reduzir a dose, mantendo a resposta de defesa e aumentando a durabilidade, evitando a necessidade de reforços. A diferença entre a vacina de mRNA convencional, como a da Pfizer, e a de RNA replicante é que, no primeiro caso, a duração do estímulo oferecido pela vacina é mais efêmero”, destaca a pesquisadora que é atuante na área de imunologia básica e translacional na resposta a agentes infecciosos, incluindo estudos de eficácia e efetividade de vacinas.

Ela reforça que esses estudos são muito importantes para compreender o futuro dessa nova tecnologia na produção de vacinas, mas é preciso aguardar os resultados das fases de ensaio clínico para ver se isso se confirma.

 

Produção de tecnologia

Os pesquisadores destacam que a reprodução e a transferência dessa tecnologia no Brasil representam um grande avanço tecnológico e científico, além de contribuir para a redução dos índices de doenças endêmicas e de importância para a saúde pública. “Diante da consolidação dessa rede de colaboração, o SENAI CIMATEC será capaz de, não somente produzir e fornecer a vacina RNA MCTI CIMATEC HDT, mas apoiar o desenvolvimento e produção em larga escala de tecnologia de ponta para a produção de imunizantes, baseados tanto na plataforma de repRNA, quanto na tecnologia da formulação LION”, revela a bioquímica Bruna Machado.

 

Foto/Crédito: Nalini Vasconcelos

 

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