Reprodução Assistida: o que é, métodos e quando é indicada
A infertilidade conjugal ainda é o principal motivo que leva as pessoas a recorrerem à Reprodução Assistida, mas as indicações para seu uso se ampliaram muito
o último dia 07 de outubro o primeiro bebê de proveta do Brasil, e da América Latina, a paranaense Anna Paula Caldeira, completou 37 anos. Seu nascimento, através da técnica da Fertilização In Vitro (FIV), foi um marco para a medicina brasileira. Ela nasceu 6 anos depois do primeiro bebê de proveta do mundo, a inglesa Louise Brown. Desde então, estima-se que mais de 9 milhões de bebês nasceram graças à Reprodução Assistida (RA), que é um conjunto de técnicas utilizadas por especialistas em fertilidade e que tem como objetivo auxiliar nos problemas de fecundação e reprodução humana, facilitando a gravidez.
A RA é composta por uma atuação multidisciplinar, também chamada Assistência Reprodutiva, que envolve não só médicos especialistas em medicina reprodutiva, mas também psicólogos, equipe de enfermagem, biólogos e biomédicos especializados em embriologia humana, garantindo o atendimento qualificado de cada etapa envolvida na trajetória das pessoas assistidas.
A Fertilização in Vitro (FIV) é apenas uma das diversas técnicas disponíveis na RA, sendo a mais complexa, a mais onerosa, porém a de melhor efetividade por ciclo de tentativa ao mês. Entretanto, como explica a ginecologista Karina Adami, especialista em reprodução humana, é preciso compreender a FIV como um meio e não um fim. “Existem casos onde é possível engravidar sem FIV e nem todos os casais precisam recorrer a ela. O médico especialista que estiver acompanhando o casal deve ponderar e esclarecer sobre todas as opções terapêuticas para, juntos, decidirem a melhor estratégia a adotar, caso a caso”, esclarece a especialista.
Quando fazer a RA
A infertilidade conjugal é o principal motivo que leva as pessoas a partirem para a RA, entretanto Dra. Karina ressalta que as indicações se ampliaram muito. “Mais recentemente, por exemplo, houve um acréscimo substancial de mulheres que desejam protelar a gestação por razões pessoais e sociais, e que buscam a RA para preservação da fertilidade, em especial aquelas cujos exames preditores de baixa reserva ovariana indicaram cuidado e rapidez para essa decisão”.
Além disso, ela aponta outras situações em que a RA deve ser considerada:
• Pessoas com câncer que desejam protelar a gestação
• Mulheres e homens com patologias de risco para perda da capacidade reprodutiva
• Mulheres portadoras de tumores ovarianos, endometriose, miomas uterinos, pólipos uterinos, disfunções da tireoide e tireoidites, e doenças autoimunes, entre outras patologias
• Casais homoafetivos
• Pessoas LGBTQIA+
• Passado de doenças sexualmente transmissíveis com sequelas no aparelho reprodutor
• Passado de gestação ectópica
• Doenças genéticas heredofamiliares
• Casais sorodiscordantes para HIV e hepatites virais
Métodos e técnicas
Os métodos disponíveis para tratamento em RA se dividem em baixa e alta complexidade. Dra. Karina esclarece que todo e qualquer método exige um tempo de espera de cerca de 15 dias após a realização do tratamento completo com recepção potencial do(s) embrião (s) para que se tenha o resultado de um teste de gravidez que possa definir se houve ou não a gestação. É importante que o casal possa ter amparo psicoemocional já que as técnicas reprodutivas ainda não garantem 100% de sucesso e há necessidade de planejar novos ciclos quando não se alcança o resultado esperado.
Aconselhamento reprodutivo. É considerada uma técnica leve e cada vez mais incorporada às rotinas dos especialistas, assumindo um caráter preventivo. São exemplos a Oncofertilidade, onde vários profissionais se envolvem em torno do desejo de gestação futura de pacientes com diagnóstico de câncer e as abordagens cirúrgicas atuais da endoscopia ginecológica, com decisões compartilhadas entre especialistas e pacientes. Após esclarecerem as vantagens e as desvantagens oferecidas pela RA em condições pré e pós tratamentos com estes ocorre o planejamento reprodutivo em etapas. “Esse intercâmbio vem crescendo e é muito salutar, garantindo um olhar mais amplo e holístico das pessoas assistidas, valorizando suas demandas reprodutivas”, esclarece Dra. Karina.
Induções de ovulação. São métodos acessíveis em custo e facilidade no uso. Se propõem a corrigir menstruações irregulares e distúrbios ovulatórios associados a alterações hormonais, fazendo com que a mulher volte a ovular mensalmente e em tempo oportuno, promovendo a fase fértil mais efetiva. Se enquadram nesses distúrbios a Síndrome de Ovários Policísticos (SOP), tireoidopatias, anormalidades da prolactina, obesidade, dentre outros fatores envolvidos, que podem ser corrigidos e monitorados de modo simplificado. Muitas vezes são necessárias mudanças no estilo de vida e medicações de baixo custo, em apresentações farmacêuticas de fácil manuseio, por via oral e programada, com ajuda profissional. Dra. Karina alerta que essas medicações precisam ser prescritas e orientadas por médicos, para evitar seu consumo indevido e excessivo, uma vez que podem trazer riscos. “Quando utilizadas em longo prazo, e sem suporte técnico e limites, pode ocorrer um estímulo ovariano sem controle, com efeitos colaterais e problemas de longo prazo, como câncer ovariano”, alerta a especialista.
Inseminação intrauterina (IIU). É geralmente confundida com a FIV, mas são métodos distintos. A IIU é um tipo de inseminação artificial em que o esperma é colocado diretamente dentro do útero da mulher, aumentando as chances de fecundação do óvulo. Para fazer esse tipo de técnica, o sêmen do homem é coletado e os espermatozoides mais ativos são selecionados por meio de lavagem de uma amostra de sêmen. A inseminação dos espermatozoides é feita no dia previsto para a mulher ovular e, normalmente, são utilizados hormônios para estimular a ovulação. A IIU pode ser homóloga, quando é utilizado o sêmen do parceiro, ou heteróloga, quando é utilizado o sêmen de um doador anônimo. “Estima-se um incremento de cerca de 15% nas chances mensais do casal ao utilizar esta técnica. Mas vale ressaltar que para utilizar a IIU a mulher deverá ter uma boa reserva ovariana, e as trompas e o útero devem estar saudáveis, permitindo que, após a deposição do preparo seminal no 1/3 médio do útero, os espermatozoides possam migrar até as trompas, em um tempo que varia de 4 a 6 horas, e encontrar com o óvulo”.
Fertilização in vitro (FIV). Está entre as técnicas de alta complexidade e envolve etapas mais sofisticadas e maior logística para ser realizada. Nesta técnica, a fecundação não ocorre naturalmente e, por isso, é considerada um método artificial. Na FIV, há uma busca pelos melhores gametas através do trabalho dos embriologistas. Estes profissionais se dedicam na utilização de meios de cultivo celular e equipamentos de ampla visão, como microscópios especiais e micromanipuladores, a fim de separar, nas amostras obtidas nas coletas dos óvulos e sêmen, aqueles com aspecto morfológico e estrutural mais qualificados para uni-los em laboratório.
A FIV segue algumas etapas:
1. Estimulação ovariana controlada (EOC). É primeiro procedimento. O processo é feito por meio de medicamentos injetáveis que aumentam as doses do hormônio folículo estimulante (FSH) no organismo da mulher. Dessa forma, é possível recrutar um número maior de óvulos e potencializar a capacidade fértil da mulher. Os medicamentos são administrados por meio de injeções subcutâneas ou por via oral. A dosagem ideal para cada caso é determinada pelo especialista em RA, considerando a idade, altura, peso e número de folículos ovarianos da paciente, assim como os exames preditores da resposta ovariana: o Hormônio Anti- Mulleriano (Antimullerian Hormone - AMH) e a Contagem de Folículos Antrais (CFA). O crescimento dos folículos é acompanhado quase diariamente para evitar complicações como a Síndrome da Hiperestimulação Ovariana. Quando o folículo atinge um tamanho adequado, é administrado um medicamento com ação semelhante ao hormônio gonadotrofina coriônica humana (HCG) para amadurecer os óvulos e induzir a ovulação. Existem diversos protocolos de estímulo ovariano dependendo do perfil de cada mulher e do tipo de infertilidade tratada com a FIV. O especialista escolherá aquele que oferecer a melhor taxa de sucesso e segurança para o uso de forma personalizada.
2. Captação dos óvulos. O objetivo desse procedimento é obter os óvulos existentes dentro dos folículos dos ovários após a fase de estimulação. É preferencialmente agendado entre 34 e 36 horas após uso do medicamento para o “gatilho” (trigger) para a ovulação. A captação dos óvulos é realizada com a paciente sob anestesia geral, sendo também administrados remédios para aliviar a dor. O procedimento é feito por meio de punção ovariana com uma agulha guiada por ultrassom transvaginal. O líquido aspirado dos folículos é coletado em diversos tubos de ensaio. Em seguida, o material é entregue para a equipe de embriologistas para análise. Na sequência, os óvulos são colocados em um líquido nutritivo (chamado de meio de cultura) e mantidos em estufa até o momento ideal para realizar a FIV.
3. Cultura de blastocistos. Essa é uma fase decisiva. Após a fertilização do óvulo pelo espermatozoide, o embrião gerado divide-se rapidamente e aumenta seu número de células. Com essa expansão, o embrião fica mais compactado e agrupa cada vez mais células. Atingir a fase de blastocisto é fundamental, pois os embriões que estão nesse estágio possuem maior potencial de implantação no útero e, consequentemente, oferecem maiores taxas de sucesso. Isso possibilita a seleção natural dos melhores embriões e permite a transferência de uma quantidade menor, reduzindo o risco de uma gravidez múltipla.
4. Transferência embrionária. Nessa fase os embriões podem ser recebidos no útero da mulher, com preparo prévio e auxílio médico, em procedimento simples, rápido e seguro, dispensando anestesia e configurando como a etapa mais participativa dos envolvidos, onde o casal acompanha o passo a passo de todo o procedimento.
FIV x Idade
Dra. Karina ressalta que nem todo folículo tem óvulo, em especial se há anormalidade nos exames preditores de reserva ovariana a partir dos 40 anos da mulher. Assim, para garantir uma maior quantidade e qualidade nos óvulos obtidos é preciso buscar ajuda cada vez mais cedo, não deixando para realizar uma FIV em idade mais avançada. De acordo com ela, o sucesso estimado com óvulos próprios varia de acordo com a idade feminina em relação inversamente proporcional: quanto menor a idade da mulher, melhores as taxas de sucesso. “Em idades mais avançadas o procedimento pode ser realizado, porém, com menos chances de dar certo. Mas, isso não sendo possível, pode ser feito um ciclo de FIV com óvulos doados, pressupondo a adesão da mulher a um programa de doação/recepção de gametas, ampliando suas chances de êxito para cerca de 60% por tentativa de recepção embrionária”, esclarece a especialista.
Vitrificação dos embriões
Esta técnica disponibilizada desde 2006, com boa eficácia na recuperação de oócitos e embriões preservados, permite sua manutenção com segurança e boas taxas de recuperação em seu aproveitamento posterior. “A vitrificação pode ser sugerida quando os embriões não são prontamente transferidos para o útero materno, seja por questões médicas ou sociais”.
Desafios da RA
No Brasil, o maior desafio está nos custos, que limita muito o uso e conta com poucos centros de atendimento público, e com filas de espera de mais de 4-5 anos Na Bahia, está sendo ampliado o serviço de Reprodução Humana Assistida do Hospital das Clínicas, com foco em prevenção e acesso precoces, oferecendo técnicas de baixa e média complexidade, e negociando expansões futuras para tratamento de RA de maior complexidade. “Como disse Souza, em seu artigo de 2008, “um dos grandes desafios nesse século 21, em nossa ótica, é tornar estas técnicas acessíveis àqueles que delas possam se beneficiar, sem perder de vista as diversidades culturais e pessoais, assim como as questões éticas que tais avanços impõem”.”, conclui Dra. Karina.