Pandemia e a quarta onda: a possível eclosão de transtornos mentais

O prolongamento da pandemia do novo coronavírus vem trazendo consequências à saúde mental da população. A imprevisibilidade e o medo em relação à doença, o isolamento social e as mudanças provocadas no cotidiano, e até nas finanças das famílias, têm gerado uma sobrecarga de pressões psíquicas de várias ordens.

Para se ter uma ideia, segundo pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), houve um amento de 47,9% no número de atendimentos. A resiliência frente aos fatores estressantes mostra limites e já se discute, em todo o planeta, os impactos em um breve futuro, que muitos já chamam de “quarta onda”, que seria uma eclosão de transtornos mentais.

De acordo com o presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia (APB), Lucas Alves Pereira, a pesquisa reflete a realidade na Bahia. “Houve um aumento da demanda em número de casos, inclusive mais graves e complexos. Muitos pacientes que estavam estáveis há anos retornaram aos consultórios neste momento, bem como pacientes que nunca apresentaram qualquer transtorno”, informou.

O levantamento mostrou que 89,2% dos médicos entrevistados destacaram o agravamento de quadros psiquiátricos em seus pacientes devido à pandemia, com aumento da sintomatologia ansiosa e de quadros de depressão, ansiedade e transtorno de pânico, bem como alterações significativas no sono.

 

Crescimento na venda de sedativos

Um outro levantamento, realizado por um aplicativo de vendas online de remédios, mostra que houve um crescimento de 20% na comercialização de hipnóticos sedativos, classe que engloba medicamentos para ansiedade e insônia. Dr. Lucas afirmou que boa parte das queixas de insônia é diretamente de origem psiquiátrica, e é importante tratá-la. “Inicialmente, a gente faz as medidas de higiene do sono, com os estímulos e mudanças de hábitos que são ruins e que atrapalham, além de sugerir uma medicação correta, individualizada para cada caso”, disse.

 

 

Idosos e adolescentes

Os idosos estão entre as principais vítimas, e Dr. Lucas Alves lembra que o grupo é o que apresenta maior risco para a Covid-19, e necessita de muita precaução. “Porém, o cuidado à saúde mental, neste momento, deve ser redobrado para esta população, e os familiares devem estar atentos”, afirmou.

A psiquiatra Patrícia Lemos Maia lembra que os idosos têm sido privados, de forma muito mais rígida, das atividades da vida diária e do convívio social. “As limitações que os idosos têm sofrido, como uma forma de prevenção à pandemia, têm aumentado os sintomas de ansiedade, depressão, além do medo de contaminação. É um grupo que precisa de um cuidado especial da família, dos amigos e dos profissionais de saúde”, afirmou.

Eles destacam ainda a gravidade dos impactos junto aos adolescentes. “Sabemos que eles sofrerão um impacto negativo. Este é um período da vida de exercer e aprimorar as habilidades de convívio social, e essa privação, essa mudança para o convívio via internet, não parece que terá bons frutos. Precisamos esperar e estar atentos a esta população”, citou Dr. Lucas. A Dra. Patrícia lembra que, além da sobrecarga que muitos adolescentes têm trazido por conta do ensino à distância, eles também podem ter prejuízo quanto ao desenvolvimento de habilidades sociais.

 

Aumentar investimento em saúde mental

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já alerta para a necessidade de aumentar de forma urgente o investimento em serviços de saúde mental. Para Dr. Lucas, esta talvez seja a questão mais importante. “A gente sabe que o problema existe e que vai aumentar. Já estamos vivenciando a quarta onda, com uma explosão de transtornos mentais”, afirmou.  Ele enfatizou a importância da ampliação da oferta de serviços e profissionais especializados na rede pública, onde, segundo o presidente da APB, o suporte é “pífio”. “A rede privada vem sendo muito acessada, não por opção, mas por falta de opção na rede pública”, citou. Além dos CAPS, é importante, segundo ele, que as UPAs também contem com psiquiatras, e que os ‘emergencistas’ tenham treinamento na lida com as situações de emergências psiquiátrica.

 

 

Atividade física e boa noite de sono

No cenário onde os fatores de riscos estão a postos, os psiquiatras destacam a necessidade de exercer os fatores que cientificamente são eficazes e de proteção, como a atividade física e a higiene do sono. “É importante também cuidar do lado espiritual. Seja qual for a denominação, é bom estar com o lado espiritual valorado nesse período”, disse Dr. Lucas, aconselhando ainda ler bons livros e não deixar de fazer o que dá prazer, quando possível. Ele lembra ainda da importância de procurar um profissional de saúde mental, seja um psicólogo, psicoterapeuta, terapeuta ocupacional ou psiquiatra, para entender os problemas e receber as melhores orientações sobre tratamentos farmacológicos e não farmacológicos.

Patrícia Maia disse que o ideal é procurar um psiquiatra quando os sintomas necessitam de uma avaliação, sobretudo a partir do ponto em que eles causam sofrimento ou prejuízo no funcionamento laboral ou nas relações familiares. “Ou seja, quando o indivíduo identifica que esses comportamentos e sintomas estão causando prejuízo no dia a dia”, declarou.

 

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