Esteatose hepática e os riscos para a saúde: foco nos hábitos de vida

O acúmulo de gordura no fígado, também chamado de esteatose hepática, pode acontecer por diversas situações, e estima-se que 30% da população tenham esse problema. Sua ocorrência está mais relacionada à hábitos de vida pouco saudáveis e excesso no consumo de bebida alcoólica. A gordura no fígado é causada, geralmente, por um desequilíbrio metabólico que aumenta a produção de um tipo de gordura acima da capacidade de exportação. Portanto, não se trata da gordura que é ingerida, mas de uma gordura que é fabricada no fígado e armazenada devido a algum estresse metabólico, que pode ser:

• O consumo regular de bebida alcoólica

• Uso de determinadas medicações

• Desequilíbrio alimentar

• Síndrome metabólica com obesidade central – atualmente considerada a maior causa de esteatose em pacientes adultos

 

Risco para o coração e o diabetes

Conforme explica o hepatologista Raymundo Paraná, diretor do Hospital Aliança, em Salvador, e professor titular do Departamento de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é importante destacar que a esteatose, em si, não é uma doença hepática, mas faz parte de um processo metabólico sistêmico, que envolve outros riscos. “O primeiro é o risco de doença coronariana, o segundo, de diabetes, e só depois é um risco hepático. Isso se deve ao fato de que, não mais do que 10 a 20% dos pacientes com esteatose, evoluem para uma forma agressiva da doença, a chamada esteato-hepatite não alcoólica”, esclarece.

 

Sintomas

Dr. Paraná alerta que não há sintomas específicos. Por ser uma doença silenciosa, evolui sem diagnóstico por longos anos, como ocorre na maioria das doenças crônicas no fígado. Ele explica que os sintomas dependem do comprometimento do fígado e da sua reserva funcional, e alerta para alguns sinais que são erroneamente relacionados ao fígado e já se difundiram popularmente, mas não é verdade. “Na nossa sociedade tem muitas crendices acerca de sintomas que são, habitualmente, ligados ao fígado, como boca amarga, manchas na pele, má digestão, etc. Esses sintomas não estão diretamente associados com qualquer doença hepática”.

Mas ele explica que, quando o paciente desenvolve uma hepatite alcoólica costuma ter icterícia e colúria (coloração escura da urina). Em caso de esteato-hepatite não alcoólica, a evolução é mais lenta, e pode até chegar a uma cirrose hepática sem a pessoa ter tido qualquer outro sintoma anterior. “Neste caso, o diagnóstico vai se confirmar com as manifestações clínicas de uma doença crônica do fígado, como edema de membros inferiores, ascite, presença de aranhas vasculares na pele (telangiectasia), dentre outros”, explica o hepatologista.

 

 

Mudança no estilo de vida

A boa notícia é que a esteatose hepática, e mesmo a esteato-hepatite não alcoólica, e a esteatose alcoólica, são doenças reversíveis a partir de adoção de bons hábitos no estilo de vida. Atividade física regular, perda de peso e uma dieta balanceada são fundamentais para evitar a progressão, e até a regressão da doença. “O tratamento deve ter foco nas medidas comportamentais. Quando a esteatose está associada ao consumo de álcool ou a algum medicamento em particular, a suspensão do consumo alcoólico e do medicamento é a medida mais adequada para o controle da doença”, reforça Dr. Paraná. 

No caso da doença hepática mais avançada, mesmo mudando o estilo de vida, pode ser necessário um transplante de fígado ou de medidas de suporte, caso a reserva funcional esteja muito consumida.

“Os maus hábitos alimentares e o sedentarismo levaram ao aumento exponencial dessa doença hepática no mundo. Não é à toa que vários governos estão trabalhando em regulatórios para reduzir o teor de gordura nos alimentos, como também o açúcar”, ressalta o hepatologista.

 

Prevenção e "efeito sanfona"

Além de adotar um estilo de vida saudável, com atividade física regular e alimentação balanceada, Dr. Paraná alerta que é  essencial também outros cuidados, como evitar o uso de medicamentos sem orientação de um hepatologista e de um endocrinologista; e, claro, moderar, ou suspender, o consumo de bebida alcoólica. 

E outra orientação muito importante: fugir de tratamentos duvidosos que promovem emagrecimento rápido, mas com recuperação rápida também do peso depois, o famoso “efeito sanfona”. Ele explica que essas dietas impactam negativamente no fígado. “Esse tipo de dieta milagrosa não promove mudança no comportamento alimentar, e esse “efeito sanfona" acaba se tornando muito maléfico para o fígado, e é um dos fatores associados à transformação da esteatose para a esteato-hepatite não alcoólica e a fibrogênese hepática, ou seja, na maior agressividade da doença”. 

 

Cuidar da alimentação é essencial

A nutricionista Rosangela Passos, professora associada da Escola de Nutrição da UFBA, e doutora em Ciências da Saúde, esclarece que a dieta ocidental, caracterizada pelo excesso de carne processada, alimentos ricos em gorduras saturada e trans, carboidratos refinados, sacarose, xarope de milho rico em frutose, sal, álcool, alto teor de alimentos ultraprocessados, com aditivos químicos, corantes e adoçantes, acaba sendo prejudicial para a saúde. “É uma dieta que apresenta características dietéticas prejudiciais, com componentes inflamatórios e reduzido teor de ácidos graxos poli-insaturados e de fibra alimentar, o que compromete o tipo, a diversidade e as funções da microbiota. Dessa forma, a ingestão alimentar contínua com estas características está associada ao maior risco para desenvolver Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT), como a esteatose hepática e esteato-hepatite não alcóolica”.  

Dessa forma, ela orienta que o plano alimentar deve conter alimentos ricos em fibras, nutrientes e princípios bioativos com comprovados efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes. Portanto, o recomendado é aumentar a ingestão de alimentos in natura, como leguminosas, cereais integrais, vegetais folhosos, frutas e verduras. Além disso, também reduzir o consumo de produtos industrializados, principalmente os ultraprocessados, assim como reduzir a ingestão de alimentos ricos em gordura, em carboidratos refinados com alta carga glicêmica, e bebidas processadas contendo sacarose e frutose, como sucos e refrigerantes.

“A dieta para quem tem o diagnóstico da esteatose hepática deve ser individualizada para as condições clínicas, bioquímicas e nutricionais de cada paciente, com elaboração de plano alimentar adequado, priorizando a inclusão de alimentos contendo carboidratos, lipídios e proteína de boa qualidade, e evitando restrições desnecessárias. Recomenda-se não promover sobrecarga energética, principalmente fornecida por produtos alimentícios contendo carboidratos de alta carga glicêmicas, mas sem restrições de frutas, verduras, raízes e tubérculos”, esclarece a nutricionista.

 

 

A nutricionista indica como focar na alimentação: 

Alimentos que ajudam na remoção da gordura do fígado

  1. Brócolis, couve-flor, couve-de-bruxelas, repolho roxo - são ricos em sulforafanos, que contribuem para reduzir o estresse oxidativo no fígado;
  2. Folhas verdes escuras como couve, rúcula, espinafre e agrião, que são ricos em cálcio, magnésio e vitaminas do complexo B, além de bioativos como sulforafanos;
  3. Vegetais vermelhos e amarelos: cenoura, pimentão, tomate, beterraba e abóbora - ricos em carotenoides, como licopeno e outros bioativos anti-inflamatorios;
  4. Leguminosas, como feijão verde, lentilha, grão de bico e ervilha fresca, que contém vitaminas do complexo B e fibra alimentar que atuam como prébioticos;
  5. Frutas vermelhas: destaque para goiaba, maçã, melancia, berries, açaí, morangos - contêm fitoquímicos como polifenóis que reduzem o estresse oxidativo, porque neutralizam as espécies reativas de oxigênio no intestino e fígado;
  6. Temperos naturais e especiarias: alho, cebola, cúrcuma, gengibre - reduzem o estresse oxidativo, porque neutralizam as espécies reativas de oxigênio no intestino e fígado;
  7. Gergelim, linhaça e chia, oleaginosas, como amêndoas, castanha de caju, castanha do Brasil, nozes – todos são fontes de ácidos graxos poli-insaturados;
  8. Carnes brancas: frango e peixes magros contêm proteína de boa qualidade com menor teor de gordura saturada;
  9. Óleos ricos em ácidos graxos poli-insaturados: azeite de oliva, óleo de gergelim e ácidos graxos ômega 3, derivado de óleo de peixe.

Café

Segundo a nutricionista, o consumo diário de duas a três xícaras de café tem sido recomendado devido ao seu efeito antioxidante. “O consumo regular de café pode apresentar efeitos benéficos. Estudos demonstraram que os bioativos presentes na bebida são capazes de melhorar a fibrose hepática, principalmente na condição de resistência à insulina”, reforça.

Alimentos que devem ser evitados ou pouco consumidos 

  1. Margarina, maionese, frios, molhos prontos;
  2. Calabresa, salsicha, salame, presuntos, peito de peru, mortadela, bacon, hamburger, fiambre, etc;
  3. Biscoitos recheados, barrinhas de cereal, pães, pastelaria, bolos e doces de confeitaria;
  4. Refrigerante, néctar e sucos, iogurtes ultra processados, gelatina colorida artificialmente, creme de leite e sorvetes cremosos;
  5. Leite longa vida e bebidas lácteas pasteurizadas contendo HFCS;
  6. Açúcar de adição, incluindo o demerara e mascavo em excesso, doces artificiais, leite condensado, caldas e coberturas para doces;
  7. Macarrão instantâneo, nugets, temperos e condimentos em pó ou tabletes, lasanhas, pizzas e outras preparações industrializadas;
  8. Excesso de frituras de modo geral, principalmente com óleo reutilizado;
  9. Churrasco consumido frequentemente e com a parte carbonizada, preparações empanadas, principalmente as industrializadas;
  10. Bebidas alcoólicas em excesso (acima de 20 g de etanol por dia).

 

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