Cigarro eletrônico: faz tão mal para a saúde quanto o convencional
Especialistas alertam que os cigarros eletrônicos causam para a saúde os mesmos danos que os convencionais, e os riscos podem surgir a curto prazo
Os chamados dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) vêm chamando a atenção diante do crescimento do número de usuários, sobretudo jovens. Também conhecidos como "vapers" ou "pods", os aparelhos funcionam com uma bateria e refil, e possuem diferentes mecanismos e formatos, como pen drives e canetas. Atraem pela praticidade e pela variedade de aromas, indicando um falso argumento de que fazem menos mal à saúde do que os cigarros tradicionais. Hoje, são facilmente adquiridos próximo a bares e também em festas pelas cidades.
A última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), do IBGE (2019), mostrou que 0,6% da população já utilizava dispositivos eletrônicos no Brasil, naquele ano, dos quais cerca de 70% tinham entre 15 e 24 anos. A comercialização, importação e propaganda de cigarros eletrônicos, no entanto, são proibidas no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) desde 2009, mas esses produtos continuam vendidos ilegalmente, seja pelo comércio informal ou pela internet.
A possibilidade da liberação da comercialização dos DEFs no Brasil segue em discussão e está em análise pela Anvisa. O processo é cercado de expectativa, tanto pela indústria de cigarro quanto pelas entidades médicas.
Para a pneumologista Maristela Sestelo, o disfarce com sabores e aromas é uma estratégia da indústria para captar mais clientes, principalmente os jovens. “O risco de doenças é exatamente o mesmo do cigarro tradicional. Pode causar muitos danos pulmonares, doenças como tuberculose, câncer de boca e faringe, entre outras. Pode levar a acidente vascular encefálico, que é o derrame, infarto agudo do miocárdio e enfisema pulmonar”, citou.
Os danos do uso do cigarro eletrônico, de acordo com a especialista, podem surgir já a curto prazo, apresentando problemas como herpes labial e até tuberculose. “A médio prazo, a gente sabe da propensão para doenças cardíacas e coronarianas”, informou. Segundo ela, os estudos estão se aprofundando em relação às consequências a longo prazo, mas já há relatos de câncer de pulmão relacionado ao uso de DEF.
Dra. Maristela lembra, ainda, do risco de o vapor emitido pelos cigarros eletrônicos levarem metais pesados ao organismo. “Não só metais pesados como muitas substâncias cancerígenas e pró-cancerígenas. É balela a afirmação, em redes sociais, de que não tem risco ou que é menos arriscado”. E as possibilidades de problemas para o fumante passivo, segundo ela, são as mesmas. “A inalação da fumaça eliminada, além de irritante para os olhos, para mucosa nasal e para o trato respiratório, é ruim para o meio ambiente”, lembrou.
Recentemente, a pneumologista recebeu um paciente com quadro de falta de ar intensa e a única relação que conseguiram observar como causa foi o uso de cigarro eletrônico. “Foi um quadro muito severo de doença pulmonar e levou muito tempo para ser diagnosticado. Ele ainda está em tratamento”, declarou a médica.
Estímulo para o cigarro convencional
O Instituto Nacional de Câncer (INCA) aponta ainda para os riscos, principalmente entre os jovens, de iniciarem o consumo de cigarros tradicionais a partir do uso dos eletrônicos. Um estudo realizado por pesquisadores da Coordenação de Prevenção e Vigilância mostrou que o uso de DEF aumenta em mais de três vezes o risco de uso do cigarro tradicional. A pesquisa analisou 22 estudos, de diferentes países, totalizando mais de 97 mil participantes.
“Os resultados mostram que o cigarro eletrônico aumenta a chance de iniciação do uso do cigarro convencional entre aqueles que nunca fumaram, contribuindo para a desaceleração da queda no número de fumantes no Brasil”, afirmou a coordenadora de Prevenção e Vigilância, a médica epidemiologista Liz Almeida. A iniciação, segundo ela, pode ser explicada pelo fato de que os cigarros eletrônicos, contendo nicotina, podem levar à dependência dessa substância e à procura por outros produtos de tabaco. “Além disso, a utilização do dispositivo eletrônico repete os comportamentos de uso do cigarro convencional, como os movimentos mão/boca, inalação e expiração”, explicou.
O INCA chegou a divulgar um alerta, no ano passado, sobre os riscos dos dispositivos eletrônicos para fumar, e lembra que os aparelhos contêm nicotina, propilenoglicol ou glicerol, além dos aditivos com sabores - produzindo um aerossol que é inalado pelo usuário. Eles expõem o organismo a diversos elementos químicos gerados de formas diferentes. Uma pelo próprio dispositivo (nanopartículas de metal). Tem ainda relação direta com o processo de aquecimento ou vaporização, já que alguns produtos contidos no vapor de cigarros eletrônicos incluem carcinógenos conhecidos e substâncias citotóxicas, potencialmente causadoras de doenças pulmonares e cardiovasculares.
Prejuízo neuroinflamatório
Recente estudo publicado na revista científica eLife concluiu que o uso diário de cigarros eletrônicos à base de cápsula altera o estado inflamatório em vários órgãos, incluindo cérebro, coração, pulmões e cólon.
O estudo avaliou os dispositivos JUUL, o mais popular e com variedade de sabores. Esse modelo, com formato semelhante a um pen-drive, contém sais de nicotina com altíssimo potencial de dependência.
De acordo com o estudo, os efeitos mais marcantes foram no cérebro, com mudanças adicionais na expressão de genes neuroinflamatórios, região que tem sido associada à ansiedade, depressão e comportamentos viciantes, o que causa preocupação, uma vez que o consumo tem aumentando bastante entre adolescentes e adultos jovens.
Tipos de DEFs
Cigarros eletrônicos: aquece um líquido, produzindo um aerossol (vapor) inalado pelo usuário. Nicotina e outras substâncias podem ser utilizadas. A composição e a concentração de nicotina nos líquidos variam de fabricante.
Cigarros aquecidos: pequeno cigarro ou bastão de tabaco, produzindo um aerossol contendo nicotina e outros produtos químicos. Contêm aproximadamente a mesma quantidade de nicotina que um cigarro comum.
Vaporizadores de ervas secas: aquece o tabaco picado ou outras ervas, produzindo um aerossol.
Produtos híbridos: possui dois reservatórios – um armazena ervas picadas e o outro, os líquidos.
Saiba mais
O primeiro DEF foi desenvolvido e patenteado por Herbert A. Gilbert, em Beaver Falls, Pensilvânia, em 1963, e foi denominado smokeless non-tabacco cigarette. No entanto, nunca chegou a ser comercializado, pela falta de tecnologia disponível àquela época. Em 2003, o chinês Hon Lik, fundador e diretor executivo da Dragonite International Ltd, desenvolveu um novo modelo de cigarro eletrônico. Dez anos depois, a patente desse novo produto foi vendida para a Imperial Tobacco Group por US$ 75 milhões. Os DEF atualmente estão na terceira geração. (Fonte INCA).
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