A obesidade mórbida e seu tratamento

O que é a obesidade? 

A obesidade não é apenas, mais uma simples doença e, para muitos, um problema meramente estético do mundo moderno. Tornou-se uma pandemia. É uma doença integrante do grupo das DCNT (Doenças Crônicas Não Transmissíveis), multifatorial, sujeita a sucessivas recidivas e, comprovadamente, a maior causadora de óbitos em todo o planeta. No Brasil, os índices são alarmantes, pois, 74% das mortes no país estão relacionadas a doenças cuja obesidade é a principal causadora. São cerca de 160 comorbidades, tais como problemas cardíacos, câncer, hipertensão, diabetes, acidentes vasculares cerebrais e muitas outras. Um percentual de 60,7% da população brasileira, ou seja, 132 milhões de brasileiros, está acima do peso e 20,8%, cerca de 44 milhões, está obesa. E sendo a obesidade, também, a maior causadora de mortes precoces, antes dos 70 anos, se não for prevenida e cuidada corretamente, terá sempre um impacto devastador na vida dos indivíduos e da sociedade.

No que se refere aos efeitos econômicos, a medica Aline Cristina Pereira Teles, especialista em endocrinologia e metabologia, alerta que os obesos custam para o Sistema Único de Saúde (SUS), e também para os planos de saúde, 60 vezes mais do que as pessoas com peso considerado normal. São eles, ainda, as principais vítimas do absenteísmo e queda de rendimento no trabalho, representando, também, dois terços dos indivíduos pleiteantes do seguro desemprego e aposentadoria por invalidez.” Sendo assim, torna-se imperativo e prioritário o tratamento desses cidadãos, para que possam ser devolvidos à sociedade, aptos ao trabalho e à uma vida normal e produtiva”, alerta

Por que tratar o obeso sob o regime de internação

De acordo com a especialista, sendo a obesidade uma doença multifatorial, é um erro pensar em praticar, de forma isolada e desconexa, os tratamentos integrados e complementares que o obeso necessita. “As recomendações dos próprios órgãos deliberativos e reguladores da área de saúde, entendem que as mudanças nos hábitos de vida do obeso devem ser graduais, respeitando a individualidade de cada um. Já que a obesidade é resultado de uma complexa combinação de fatores biológicos, psicológicos e comportamentais, socioculturais, ambientais e econômicos, não poderá ser diferente o seu tratamento”, reforça a especialista.

Segundo ela, a proposta de um tratamento verdadeiramente eficaz é internar o paciente obeso, afastando-o dos ambientes que o adoeceu, fazendo-o passar por um processo de reeducação e reestruturação, não somente física, mas, também, mental e emocional.  “A compulsão alimentar, por exemplo, que é um trágico comportamento adicto, uma dependência química ao consumo de alimentos, comum aos pacientes obesos, necessita, primordialmente, de um tratamento em regime de internação, associando à assistência conjugada de psiquiatras e psicólogos”, informa a médica.

Diante disso, a médica reforça que o tratamento intensivo, com internação, torna-se o único indicado, pois promove o tão necessário período de afastamento, adequado a disponibilizar ao paciente a oportunidade de mudar hábitos, pensamentos, sentimentos e modos de vida. “Produzidas, assim, novas atitudes, poderá o paciente livrar-se dos velhos comportamentos que os levaram ao estado de obesidade. O afastamento dos ambientes sociais e, muitas vezes, familiares, que o adoeceu, permitirá ampliar sua visão e percepção do quanto estava sendo afetado negativamente, necessitando, portanto, urgentemente, de uma reformulação”.

 

 

E quais são os pacientes que necessitam do regime de internação? De acordo com a médica, são aqueles que já tentaram emagrecer por outras formas de tratamento   ambulatorial, com nutricionistas ou médicos e não obtiveram sucesso. Outros pacientes são aqueles que realizaram a cirurgia bariátrica e voltaram a engordar, como, também, aos que é contraindicada a própria cirurgia bariátrica.

Além disso, a especialista esclarece que a internação poderá proporcionar ao paciente contato diário com uma equipe transdisciplinar, composta, de forma ideal, por profissionais de áreas complementares, tais como médicos endocrinologistas, psiquiatras, cardiologistas e ortopedistas, juntamente com psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e professores de educação física. Todos eles presentes no mesmo local, adotando uma metodologia integrativa, que trabalha os diversos aspectos da reeducação pessoal, dentro de um contexto coletivo.

Assim sendo, o tratamento transdisciplinar ocorre como resultado da coordenação e conjugação de métodos e práticas, aplicados ao paciente por uma complexa equipe de profissionais de saúde que o assiste. Isso significa que, em relação a cada paciente, o psicólogo, por exemplo, discute e troca ideias com o nutricionista que, por sua vez, se comunica com o preparador físico e, assim, sucessivamente.

“O tratamento da obesidade implica, portanto, na melhoria ou resolução de várias doenças associadas. É importante ressaltar que apenas 10% dos pacientes com obesidade têm acesso a algum tipo de assistência terapêutica, sendo que uma porcentagem inferior a 2% recebe, na realidade, um tratamento digno, completo e apropriado”, informa Dra. Aline.

O que determina o tempo necessário de internação do paciente

Baseados em evidências científicas e conhecimentos práticos acumulados, a especialista afirma que é possível determinar critérios visando definir o tempo necessário para o tratamento completo de cada paciente a ser internado. Esses critérios levam em consideração: 1) FAIXA ETÁRIA – isto porque, uma pessoa de 70 ou 80 anos, por exemplo, não pode ser submetida ao mesmo tratamento de uma outra pessoa de 20 ou 30 anos. E, se o paciente for uma criança, outros mais diferentes critérios deverão ser adotados; 2) IMC - Índice de Massa Corpórea, pois um paciente com IMC de 40, por exemplo, necessita de menos tempo de internação do que outro paciente com IMC de 50 ou 60; 3) SEXO – porque as mulheres, por  questões hormonais e ciclo menstrual, perdem peso mais devagar do que os homens, em qualquer faixa etária; 4) PRESENÇA DE DETERMINADAS COMORBIDADES – os pacientes, portadores de comorbidades graves, tais como  cardiopatias, câncer ou problemas psiquiátricos, perdem peso mais lentamente, tanto devido ao estado psíquico, como, também, em função dos efeitos colaterais dos remédios que utilizam. Por sua vez, pacientes com dificuldades ortopédicas e de mobilidade necessitam, igualmente, de mais tempo para perder peso do que os pacientes que se movimentam normalmente.

Interrupção do tratamento

De acordo com Dra. Aline, um dos atos mais perniciosos ao tratamento da obesidade é a sua interrupção. Determinado clinicamente, o prazo previsto e definido da internação do paciente, deve ser totalmente, cumprido uma vez que se trata de uma programação terapêutica com princípio, meio e fim, criteriosamente, programada. Portanto, no caso da interrupção indevida, o paciente perde o pouco ou muito que já conquistou física e psicologicamente, mas ainda não consolidou, retornando ao ponto de partida. “Essa evidente regressão de tratamento de saúde ocorre não somente no caso da obesidade, mas é generalizada, incidindo em todo e qualquer tratamento de saúde, indevidamente, interrompido”, reforça a médica

Tratando-se de pacientes subsidiados por planos de saúde, caso o tempo de internação não seja autorizado conforme prescrito em relatório médico, a médica alerta que torna-se fundamental que qualquer espera por autorização de prorrogação do tratamento, ou necessidade de perícia médica, ocorra com o paciente internado. Se o tratamento, mais uma vez, for interrompido, haverá, igualmente, uma ruptura abrupta do plano terapêutico traçado para o paciente em questão.

“E como já foi dito anteriormente, este paciente estará sujeito a perder o pouco ou muito que conquistou. Tem ocorrido, inclusive, situações na qual o paciente permanece 12 meses, ou mais, fora da clínica, aguardando a respectiva decisão referente ao prazo de prorrogação. Nesses casos, que já se tornaram costumeiros, evidentemente, torna-se óbvia a necessidade de o tratamento ser, integralmente, recomeçado, tendo, o paciente, o incontestável direito a um novo prazo, exatamente igual ao tempo solicitado pelo relatório médico inicial”, alerta a médica.

De acordo com ela, outra questão envolvida na interrupção de tratamentos - principalmente de pacientes internados em instituição hospitalar- está relacionada com quesitos legais, envolvendo a responsabilidade dos profissionais de saúde. Segundo o código de ética médica, dar alta a um paciente é uma prerrogativa e uma responsabilidade do médico, totalmente responsável, principalmente, no regime de internação em unidade hospitalar, pela saúde e pela vida do paciente. Portanto, no caso da interrupção indevida e suas consequências, caberá ao médico responder legalmente por elas. “O paciente somente deve interromper sua internação mediante alta e concordância médica, e não por falta de autorização administrativa de planos de saúde ou determinações judiciais. Entretanto, essas últimas situações, totalmente divorciadas do direito à vida e à segurança pessoal dos pacientes em questão, ainda ocorrem com certa constância, principalmente, quando se trata de internações de obesos”, reforça a médica.

Por que é necessária a manutenção do tratamento após a alta do paciente

Dra. Aline explica que o tratamento da obesidade mórbida é composta de duas fases, distintas e complementares: a primeira, intensiva; e a segunda, com o objetivo de consolidar a manutenção de tudo que foi conquistado. Após a alta do paciente, a mudança do estilo de vida, dos hábitos, pensamentos e sentimentos conquistados devem ser cultivados com certa constância.  “Esses novos modos de pensar e agir necessitam ser alimentados e renovados para que o ex-obeso se torne proativo em relação, principalmente, aos hábitos e costumes alimentares, familiares e sociais, que o adoeceram”, esclarece a médica.

Evidências científicas e conhecimentos práticos acumulados também mostraram que os pacientes não contemplados com o processo contínuo de manutenção têm maior chance de retomar o peso anterior mais rapidamente, principalmente se saírem do regime de internação com o IMC ainda relativamente elevado. “Além disso, devemos considerar que, no regime de internação, o paciente passa por um processo de reeducação e reestruturação, não somente física, mas, também, mental e emocional, que deve continuar a ser submetido a um regime de consolidação”.

De acordo com a médica, o ex-obeso, vítima de um comportamento ainda dependente do consumo de alimentos, necessitará, temporariamente, de uma assistência transdisciplinar visando essa consolidação da nova maneira de ser, pensar e agir, então conquistada.

“A manutenção externa, se realizada ambulatorialmente, com metodologias divergentes das utilizadas no período de internação, não surte o efeito desejado, pois baseia-se, geralmente, apenas  em dietas e atividades físicas.  Não disponibilizam a mesma atenção e cuidados prestados por uma equipe transdisciplinar, em todas as áreas envolvidas no período de internação, e que devem estar presentes em cada manutenção posterior a ser realizada”, esclarece Dra. Aline.

Por que é necessária a presença de um cuidador durante o tratamento de obesos com necessidades especiais

No sistema de tratamento sob o regime de internação, a especialista alerta que o acompanhante, designado também como CUIDADOR, faz parte do tratamento, e não apenas de forma secundária e dispensável. Segundo ela, são eles os responsáveis por pacientes com debilidades e dificuldades que os impedem de realizar as atividades diárias sozinhos. “Precisam de auxílio, desde o momento que acordam, até a hora do repouso noturno, principalmente por ocasião de suas necessidades, exclusivamente pessoais. Assim sendo, é resguardada a intimidade e privacidade desses pacientes, essencial à manutenção de um contínuo bem-estar”.

 

 

As normas e leis referentes aos menores de idade e idosos deve respeitar o estabelecido no Estatuto do Menor e no Estatuo do Idoso, prevendo que estes grupos de pessoas, obrigatoriamente, necessitam de acompanhantes cuidadores.  O mesmo ocorre com os pacientes portadores de distúrbios psiquiátricos e cadeirantes, com dificuldades ortopédicas.

Obesidade e a Covid-19

Dra. Aline avalia a obesidade como uma pandemia há décadas negligenciada, sem que nenhuma intervenção na área da saúde tenha conseguido reduzir sua prevalência e, portanto, ela afirma não ser surpresa quando a obesidade passou a ser fator de risco não só no Brasil, mas em muitos outros países, colocando o obeso como de grupo de risco com maior propensão a serem vitimados pela Covid-19. “A obesidade é a principal causadores de graves doenças, tais como diabetes, hipertensão, problemas cardíacos e respiratórios, bem como de alguns tipos de câncer, os quais enfraquecem, sobremaneira, o sistema imunológico do indivíduo”, alerta a médica.

A especialista reforça que não se deve rotular os pacientes obesos como sendo, pura e simplesmente, pacientes do grupo de risco. “Devemos, sim, acolher estes pacientes e oferecer-lhes condições de realmente tratar, física e psicologicamente, a grave doença da qual são acometidos. Isso porque ao sugerir-lhes, unicamente, medidas de isolamento, certamente, estaremos criando condições que, acima de tudo, alimentarão suas compulsões, principalmente, alimentares, e também os referentes à ociosidade, falta de atividades física, ansiedade e depressão”.