Covid e os sintomas que perduram: estudos buscam entender melhor
Os estudos para entender melhor sobre o novo coronavírus continuam. Muitos pacientes têm apontado que os sintomas da Covid-19 persistem por semanas, e até meses, após o diagnóstico da doença, mesmo em pessoas que apresentam apenas formas leves, sem necessidade de hospitalização. E como a doença envolve, potencialmente, os pulmões e o coração, o acompanhamento com pneumologista e cardiologista mostra-se fundamental.
De acordo com o diretor do Hospital Cárdio Pulmonar, o cardiologista Eduardo Darzé, as consequências a longo a prazo estão sendo avaliadas e estudadas, mas como a Covid-19 é uma doença aguda, que envolve múltiplos sistemas e órgãos, a possibilidade de consequências a longo a prazo é muito provável, e é isso que tem sido observado nesses primeiros estudos. “Principalmente quem tem doenças mais graves, que precisa de hospitalização, os cuidados e o tratamento não terminam com a alta hospitalar. Esses pacientes, de fato, têm sintomas que persistem por pelo menos 2 a 3 meses”. De acordo com o médico, os sintomas persistentes são:
• Fadiga
• Falta de ar
• Dores no corpo
• Tosse
• Dor de cabeça (às vezes)
Miocardite
O cardiologista também destaca que a Covid-19 pode causar danos potenciais a longo prazo no músculo cardíaco, a miocardite, inflamação já documentada em vários estudos, tanto em autópsias, como em exame de imagem mais sofisticado. E ficou evidente o problema, meses após a infecção aguda. “Essa infecção traz consequências muito ruins, como dilatação e disfunção progressiva do coração, e arritmias, levando à insuficiência cardíaca, que é um quadro mais grave”
Dr. Darzé esclarece que essas sequelas não têm sido observadas com muita frequência, mas a presença do vírus e da inflamação têm sido muito frequentes, mesmo semanas ou meses depois da infecção aguda. “Obviamente, é preciso fazer estudos mais prolongados com follow-up mais longo, para saber a consequência real da presença do vírus e da inflamação no coração durante tanto tempo. Mas, até agora, apenas uma minoria dos pacientes desenvolveu essas sequelas”.
Trombose
Além da miocardite, o cardiologista alerta sobre o processo trombótico, outra consequência a longo prazo muito marcada durante a fase aguda da Covid-19, com formação de coágulos dentro do vaso. “Os estudos são muitos consistentes em mostrar que os pacientes têm tendência à coagulação dos vasos em diferentes órgãos. Eu destaco dois grandes grupos de doenças trombóticas: as que envolvem a veia - trombose venosa da perna e a embolia pulmonar -, e as que envolvem o sistema arterial, que causam o infarto agudo do miocárdio e o AVC”.
De acordo com Dr. Darzé, essas síndromes trombóticas podem levar a consequências a longo prazo, porque envolvem a interrupção aguda de sangue ao cérebro e ao coração, causando o infarto e as sequelas tradicionais, como dificuldade de andar, falar e pensar. “Isso requer um acompanhamento a longo prazo, principalmente com trombose na perna e embolia pulmonar, que vai precisar de uso prolongado de coagulante”, explica.
Entender melhor
O diretor médico do Centro de Tratamento da Covid-19 do Hospital Espanhol, o infectologista Roberto Badaró, declara que, embora existam evidências na literatura de que uma pessoa que adquiriu o vírus pode persistir com replicação assintomática em até quatro meses, não é possível afirmar se esse vírus detectado é infectante ou não. “Ao que parece, nos relatos ditos de reinfecção, é que nenhum deles fez cultivo do vírus. Todos relataram que a reinfecção na base da positividade do teste RT-PCR, se não muito raro, pode ser persistência da primeira infecção”.
O infectologista ressalta que os médicos ainda estão entendendo melhor o curso da doença, principalmente quando o paciente tem uma pneumonia severa. “Essa doença tem três fases distintas, com a primeira viral e assintomática, e outras duas mais graves, que é a da pneumonia e da inflamação, que podem levar ao óbito. Na fase da inflamação não há mais replicação viral, e sim um processo inflamatório severo com aumento das citocinas humanas, que leva o paciente à falência de múltiplos órgãos, e a mortalidade pode chegar a 70-90%, dependendo do caso e dos fatores de riscos. Portanto, precisamos entender melhor como bloquear essa resposta de citocinas com anticorpos monoclonais e drogas que reduzam a viremia na fase inicial”.
Tomografia do tórax
O pneumologista Jorge Pereira, chefe da divisão médica do Hospital Universitário Edgard Santos, alerta para a baixa especificidade do exame da tomografia computadorizada do tórax de alta resolução (TCAR) no manejo da Covid-19, embora seja um exame de alta sensibilidade e de grande auxílio com a doença. “O método visual de avaliação quantitativa, usado corriqueiramente em nosso meio, que procura estimar a extensão do comprometimento pulmonar e da gravidade da doença, tem demonstrado amplas variações intra e interindividuais, além de não guardar estreita correlação com a gravidade da doença”.
O pneumologista ressalta que o exame não deve ser realizado isoladamente para definir a indicação de internação hospitalar, porém deve ser realizado em todos os pacientes com indicação de internação, baseado em outros parâmetros, e também para avaliar eventuais complicações. “Mostra-se útil diante da suspeita da ocorrência de fenômenos vasculares, na triagem para a realização de angio-TC, ou de tomografia de dupla energia”.
De acordo com Dr. Jorge, existe comprovação científica de que a replicação viral se reduz drasticamente em, aproximadamente, duas semanas do início dos sintomas da doença. Diante disso, a possibilidade de esse indivíduo representar um risco de transmitir a doença fica muito reduzida.
Por outro lado, um estudo realizado nos EUA, e que envolveu dezenas de indivíduos que permaneceram internados com a Covid-19, e se tornaram assintomáticos com alta hospitalar através do teste RT-PCR-negativo, e permaneceram em ambiente controlado a fim de se evitarem novas exposições ao vírus, demonstrou, por testes seriados ambulatoriais ao longo de vários meses, que alguns indivíduos permanecem com o teste positivo nesse período. A discussão é se esses vírus estariam ainda viáveis e capazes de transmitir a infecção. “Há um consenso em torno da probabilidade de o teste identificar fragmentos do vírus sem que representem um risco real de propagação, já que não representaria a forma viável do vírus”, esclarece o pneumologista.
Vacina e o comportamento do vírus
Dr. Roberto Badaró destaca que, mesmo após uma vacina eficaz, ainda não será possível afirmar o comportamento do vírus. Segundo ele, pode acontecer o mesmo que ocorre com o Influenza, “que varia a sua hemaglutinina e neuraminidase, por isso tem vacinas todos os anos contra H1N1, e depois H2N3, e assim sucessivamente”. O infectologista alerta que o coronavírus tem várias espécies diferentes e ainda não se sabe as mutações que podem ocorrer. “Dependendo da imunidade que será adquirida com a vacina pode ser que haja uma necessidade de vacinação de tempos em tempos”, enfatiza.
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